A CREDIBILIDADE DA CODIFICAÇÃO

1. O codificador
No primeiro capítulo já vimos a descrição que o próprio AK fez de sua iniciação no espiritismo no ambiente mesmeriano de Paris, a partir de 1854. "Foi nessas reuniões que comecei os meus estudos sérios de espiritismo, menos, ainda, por meio de revelações, do que de observações. Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava, deduzia conseqüências; dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão. Foi assim que procedi sempre em meus trabalhos, desde a idade de 15 a 16 anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; percebi,
naqueles fenômenos, a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da humanidade, a solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas idéias e nas crenças; fazia-se mister, portanto, andar com a maior circunspecção e não levianamente; ser positivista e não idealista, para não me deixar iludir" (VII, 240s.).
E logo: "Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal. Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de crer na infalibilidade dos espíritos e me impediu de formular teorias prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles...
Conduzi-me, pois, com os espíritos, como houvera feito com homens. Para mim eles foram, do menor ao maior, meios de me informar e não reveladores predestinados. Tais as disposições com que empreendi meus estudos e neles prossegui sempre. Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui" (VII, 241).
Recebido o material dos vários centros, "era necessário grupar os fatos espalhados, para se lhes apreender a correlação, reunir os documentos diversos, as instruções dadas pelos espíritos sobre todos os pontos e sobre todos os assuntos, para as comparar, analisar, estudar-lhes as analogias e as diferenças. Vindo as comunicações de espíritos de todas as ordens, mais ou menos esclarecidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão permitia conceder-lhes, distinguir as idéias sistemáticas individuais ou isoladas das que tinham a sanção do ensino geral
dos espíritos, as utopias das idéias práticas, afastar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da ciência positiva e da lógica, utilizar igualmente os erros, as informações fornecidas pelos espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, para conhecimento do estado do mundo invisível e formar com isso um todo homogêneo" (VI, 38).
Nisso, portanto, consistiu a contribuição pessoal do mestre Kardec: "O nosso papel pessoal...é o de um observador atento, que estuda os fatos para lhes descobrir a causa e tirar-lhes as conseqüências. Confrontamos todos os que têm sido possível reunir, comparamos e comentamos as instruções dadas pelos espíritos em todos os pontos do globo e depois coordenamos metodicamente o conjunto; em suma, estudamos e demos ao público o fruto das nossas indagações" CVI, 34).
É, pois, incontestável que AK se apresenta como um homem sério, estudioso, científico, interessado em resolver os problemas mais fundamentais da humanidade. Todavia, mesmo a confessada seriedade e circunspeção de uma pessoa, por melhor que seja a sua boa vontade, ainda não é garantia suficiente de sua credibilidade. Pois não nos interessam as idéias pessoais de AK - o que importa é a novidade e superioridade das novas revelações do além, que, como se afirma entre os espíritas, devem aperfeiçoar a revelação cristã. Ainda que déssemos por inteiramente segura a probidade e seriedade de AK, não teríamos com isso garantida a credibilidade da doutrina por ele proposta, já que jamais ele nos afiançou sua infalibilidade:
"Nunca tivemos a pretensão de nos julgarmos profeta ou messias, nem, ainda menos, de nos apresentarmos como tal" (VI, 35). Declara ainda que não atribui aos seus trabalhos valor maior do que o de uma "obra filosófica, deduzida da observação e da experiência, sem nunca nos considerarmos chefe da doutrina, nem procurarmos impor as nossas idéias a quem quer que seja" (VI, 34).
Entretanto, em suas Obras póstumas, AK fala diversas vezes da missão especial de que fora investido pelos espíritos. Narra ele que "numa dessas sessões, muito íntima, a que apenas assistiram sete ou oito pessoas, falavam estas de diferentes coisas relativas aos acontecimentos capazes de acarretar uma transformação social, quando o médium, tomando da cesta, espontaneamente escreveu isto: "Quando o bordão soar, abandoná-lo-eis; apenas aliviareis o vosso semelhante; individualmente o magnetizareis, a fim de curá-lo. Depois, cada um no posto que lhe foi preparado, porque de tudo se fará mister, pois que tudo será destruído, ao menos temporariamente. Deixará de haver religião e uma se fará necessária, mas verdadeira, grande, bela e digna do Criador... Seus primeiros alicerces já foram colocados. .. Quanto a ti, Rivail, a
tua missão é aí (livre, a cesta se voltou rapidamente para o meu lado como o teria feito uma pessoa que me apontasse com o dedo). A ti M. a espada que não fere, porém mata; contra tudo o que é, serás tu o primeiro a vir. Ele, Rivail, virá em segundo lugar: é o obreiro que reconstrói o que foi demolido". AK observa em seguida: "Foi essa a primeira revelação positiva da minha missão e confesso que, quando vi a cesta voltar-se bruscamente para o meu lado e designar-me nominativamente, não me pude forrar a certa emoção" (VII, 248s.) . Também na p. 252 toma a falar da sua missão especial e na p. 253 o espírito lhe diz: "A missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos. Previno-te de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro". E depois, nas pp. 257ss., fala da tiara espiritual com que foi distinguido e o espírito lhe declara que ele é o "chefe da doutrina", que seus escritos "fazem lei" e que recebeu espontaneamente os títulos de "sumo sacerdote, de pontífice, mesmo de papa", "em suma, o
senhor conquistou, sem a buscar, uma posição moral que ninguém lhe pode tirar, dado que, sejam quais forem os trabalhos que se elaborarem depois dos seus, ou concomitantemente com eles, o senhor será sempre o proclamado fundador da doutrina. Logo, em realidade, está com a tiara espiritual, isto é, com a supremacia moral. Reconheça, portanto, que eu disse a verdade" (VII, 260). Mais adiante, na p. 270, o espírito revela que ele, AK, deverá reencamar, "para concluir a tua missão" e AK faz ingenuamente o seguinte cálculo: "Calculando aproximadamente a duração dos trabalhos que ainda tenho que fazer e levando em conta o tempo da minha ausência e os anos da infância e da juventude, até à idade em que um homem pode desempenhar no mundo um papel, a minha volta deverá ser forçosamente no fim deste
século ou no princípio do outro"...
Já que a terceira revelação (o espiritismo) veio "numa época de emancipação e madureza intelectual, em que a inteligência, já desenvolvida, não se resigna a representar papel passivo, em que o homem nada aceita às cegas, mas quer ver aonde o conduzem, quer saber o porquê e o como de cada coisa" (VI, 36) - por isso, "emancipados, maduros e desenvolvidos que somos", vamos também nós ver aonde nos levaram as observações do mestre Kardec, por que e como ele chegou a estabelecer os vários pontos da doutrina espírita.
AK assinala três critérios principais para distinguir os espíritos bons dos maus, as comunicações verdadeiras e sérias das falsas e ridículas:
1) o critério da linguagem digna e nobre;
2) o critério da concordância dos espíritos;
3) o critério da lógica e do bom senso. Examinemos agora o valor intrínseco desses três critérios fundamentais usados pelo mestre espírita.

2. Os critérios de seleção adotados por AK
A - O critério da linguagem digna e nobre Exposição: já nas primeiras páginas de seu livro principal, AK formula este critério, que é depois repetido muitas vezes nas outras obras: "Distinguir os bons dos maus espíritos é extremamente fácil", declara ele; e eis como: "Os espíritos superiores usam constantemente de
linguagem digna, nobre, repassada da mais alta moralidade, escoimada de qualquer paixão inferior; a mais pura sabedoria lhes transparece dos conselhos, que objetivam o nosso melhoramento e o bem da humanidade. A dos espíritos inferiores, ao contrário, é inconseqüente, amiúde, trivial e até grosseira" (I, 24). De modo semelhante se exprime no Livro dos médiuns, onde não se cansa de dizer que os espíritos devem ser julgados "pela linguagem de que usam"; e declara que "pode estabelecer-se como regra invariável e sem exceção que a linguagem dos espíritos está sempre em relação com o grau de elevação a que já tenham chegado" (III, 274), pois, garante-nos ele, "a bondade e a afabilidade são atributos essenciais dos espíritos
depurados" (III, 275).
Portanto, segundo este critério, tudo está ligado à nobreza e dignidade de expressão, tudo depende de respirar a mais elevada moral e santidade ou não. Logo que constatamos que alguma mensagem recebida por um médium é redigida em forma nobre, digna e elevada - ainda que não seja mui conforme com as escrituras sagradas -, teríamos a garantia de estarmos diante de uma nova revelação digna de crédito.
Crítica: aqui poderia relembrar tudo quanto vimos acima sobre os "falsários no mundo dos espíritos" - pois, se os espíritos maus, "que se comprazem em fazer o mal", que nos querem "induzir maldosamente no erro" e que "se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar", se eles, cuja astúcia "ultrapassa às vezes tudo o que se possa imaginar", são "capazes de todos os ardis", "identificando-se com os hábitos daqueles a. quem falam", "adotando os nomes mais apropriados a causar forte impressão" etc., conforme nos adverte o próprio AK - como não poderão eles, também, para melhor se impor, usar de um modo de falar nobre, digno etc., ainda mais se chegam a saber que será por este critério que nos havemos de orientar? Ouvimos
freqüentemente falar de ladrões e assassinos, que se fingem os maiores amigos da vítima designada, falam constantemente com nobreza e dignidade, mostrando uma dedicação que não parece ter limites e, no entanto, à hora oportuna – uma punhalada traiçoeira ou um tiro pelas costas termina a farsa bem representada.
Ademais, vimos que os espíritos pseudo-sábios "dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém crêem saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado alguns progressos sob diversos pontos de vista, a linguagem deles aparenta um cunho de seriedade, de natureza a iludir com respeito às suas capacidades e luzes" (I, 88). Aqui é evidente que o indicado critério nada vale. Aliás, dispomos ainda de muitos textos kardecianos que nos mostram existir comunicações sérias e, no entanto, falsas: "No tocante a comunicações sérias, cumpre distinguir as verdadeiras das falsas, o que nem sempre é fácil, porquanto exatamente à sombra da elevação da linguagem é que certos espíritos presunçosos, ou pseudo-sábios, procuram conseguir a prevalência das mais falsas idéias e dos mais absurdos sistemas. E, para melhor acreditados se
fazerem e maior importância ostentarem, não escrupulizam de se adornarem com os mais respeitáveis nomes e até com os mais venerados. Esse é um dos maiores escolhos da ciência prática..." (IV, 149s.). Quer dizer: há comunicações "sérias", com "elevação de linguagem", adornadas "com os mais respeitáveis nomes" - e que, não obstante, propugnam "as mais falsas idéias" e "os mais obscuros sistemas". Como identificar tais mensagens? O critério da linguagem, evidentemente, no caso nada vale. E outra vez diz nosso mestre espírita: "Qualificando de instrutivas as comunicações, supomo-las verdadeiras, pois o que não for verdadeiro não pode ser instrutivo, ainda que dito na mais imponente linguagem" (III, 150). E isso equivale a negar o valor do critério da "mais imponente linguagem". Lembremo-nos ainda que existem espíritos
sérios e bons que nos falam com toda a seriedade e boa fé, mas - "há muita coisa que eles ignoram e sobre que podem enganar-se de boa fé" (III, 149).
Ilustremos a aplicação do suposto critério com um exemplo do próprio AK: no final de O livro dos espíritos (p. 460), AK declara que há espíritos "cuja superioridade se revela na linguagem de que usam" e que "responderam a pessoas muito sérias", concedendo a existência do purgatório e do inferno segundo a doutrina católica. Ora, não obstante a seriedade e dignidade no modo de falar de tais espíritos, AK e todos os espíritas rejeitam estas mensagens como falsas e mentirosas.
Assim é evidente que o critério da linguagem não só não tem valor, mas nem o próprio AK se orienta por ele.
B - O critério da concordância dos espíritos
Exposição: Darei primeiro a palavra ao mestre Kardec: "Sem embargo da parte que toca à atividade humana na elaboração desta doutrina (espírita), a iniciativa da obra pertence aos espíritos, porém não a constitui a opinião pessoal de nenhum deles. Ela é, e não pode deixar de ser, a resultante do ensino coletivo e concorde por eles dado. Somente sob tal condição se lhe pode chamar doutrina dos espíritos. Doutra forma, não seria mais do que a doutrina de um espírito e apenas teria o valor de uma opinião pessoal" (VI, 10). E logo: "Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do
controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o espiritismo assumir a responsabilidade. Essa coletividade concordante da opinião dos espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica (note-se que aqui já transparece outro critério!), é que constitui a força da doutrina espírita e lhe assegura a perpetuidade" (VI, 11). Também na introdução ao Evangelho segundo o espiritismo o mestre Kardec repisa no valor decisivo deste critério: a doutrina espírita, explica ele, vale, "porque recebeu a sanção da concordância"; "tomadas insuladamente, elas (as revelações), para nós, nenhum valor teriam; somente a coincidência lhes imprime gravidade" (IV, 21). "Essa verificação universal constitui uma garantia para a unidade futura do espiritismo e anulará as teorias contraditórias. Aí é que, no porvir, se encontrará o critério da verdade" (IV, 21).
Assim propõe e explica AK o critério da concordância dos espíritos. Seria, portanto, um critério relativamente fácil e aplicável: comparar as "milhares" de comunicações recebidas de "milhares de centros" - e tudo aquilo em que todos os espíritos estiverem concordes - seria admitido como verdadeiro; o mais seria rejeitado como falso ou, ao menos, como insuficientemente comprovado. E pelo seu modo de falar, AK quer, realmente, dar aos seus leitores a impressão de que tudo o que ele propõe em seus livros definitivos passou incólume por este critério, "com exceção, todavia, de algumas teorias ainda hipotéticas, que tivemos o cuidado de indicar como tais e que devem ser consideradas simples opiniões pessoais" (VI,
11s.), todo o mais é conforme "com o ensino geral dos espíritos" (VI, 11).
Crítica: a primeira pergunta que me ocorreria fazer seria: concordância geral de que espíritos? De todos? Também dos maus, travessos e galhofeiros, que são numerosos? Ou só dos bons, puros e sábios? E então voltaríamos à mesma questão de antes: como saber se um espírito é de fato superior, bom e puro? Só pelo modo de falar digno e repassado de moralidade? Pois se, como vimos, o espírito não apresenta carteira de identidade e, ademais, "agasta-o toda questão que tenha por fim pô-lo à prova" (III, 271) e se também os espíritos bons e superiores se apresentam sob nomes falsos (III, 270). . .
Mas apliquemos também aqui o princípio de criticar AK com AK. Eis aí outras informações que ele nos dá sobre a codificação da doutrina espírita: "Além disso, convém notar que em parte alguma o ensino espírita foi dado integralmente; ele diz respeito a tão grande número de observações, assuntos tão diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões mediúnicas especiais, que impossível era acharem-se reunidas num mesmo ponto todas as condições necessárias.
Tendo o ensino que ser coletivo e não individual, os espíritos dividiram o trabalho, disseminando os assuntos de estudo e observação como, em algumas fábricas, a confecção de cada parte de um mesmo objeto é repartida por diversos operários" (VI, 38). E continua na preciosa informação: "A revelação faz-se assim parcialmente, em diversos lugares e por uma multidão de intermediários". E depois: "Cada centro encontra nos outros centros o complemento do que obtém, e foi o conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que constituíram a doutrina espírita" (VI, 38).
Mas isso já é coisa bem diferente! Quer dizer que houve colaboração de muitos espíritos, mas não consentimento unânime, coletivo, de todos os espíritos, em todas as partes da doutrina espírita: cada espírito contribuiu com alguma comunicação "parcial"; os espíritos "dividiram o trabalho", como nas fábricas... e "foi o conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que constituíram a doutrina espírita".
E temos mais: falando de sua obra básica, O livro dos espíritos, AK escreve: "Mais de dez médiuns prestaram concurso a esse trabalho" (VII, 243). E ele continua na mesma página: "Da comparação e da fusão de todas as respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes remodeladas no silêncio da meditação", nasceu o dito livro. Observemos: muitas vezes remodeladas no silêncio da meditação! Mas - "remodeladas" por quem? Com que competência?
Com que autoridade e. autorização? Se do além nos vem uma revelação, destinada a "completar, explicar e desenvolver" a revelação trazida por Cristo (cf. VI, 26), então fazemos questão de ter as novas "revelações" assim como elas vieram e não assim como elas foram "muitas vezes remodeladas no silêncio da meditação" por quem quer que seja, tão falível como qualquer um de nós.
E agora, para ilustrar, um exemplo de aplicação do critério da concordância, feita pelo mesmo AK. É sabido que um dos princípios fundamentais de toda a doutrina espírita codificada por AK e propagada aqui no Brasil é o princípio da reencarnação. Pode-se dizer que ao menos este princípio básico passou incólume pelo critério da concordância? Abro o Livro dos médiuns, p. 338, e leio o seguinte: "De todas as contradições que se notam nas comunicações dos espíritos, uma das mais frisantes é a que diz respeito à reencarnação". E logo revela que "nem todos os espíritos a ensinam". Também em O livro dos espíritos (n. 222, p. 139) sabe que os espíritos "não parecem todos de acordo sobre esta questão" (da reencarnação). Por conseguinte, a reencarnação, peça central de todo o edifício espírita, não possui aquele imprescindível
"caráter essencial da doutrina espírita", que consiste na "generalidade e concordância no ensino" e nem é "a resultante do ensino coletivo e concorde dado pelos espíritos". Portanto, sempre segundo os postulados teóricos do codificador (cf. VI, 10 e 11), esta teoria "não pode ser considerada parte integrante da doutrina espírita", mas será apenas "uma simples opinião isolada, da qual não pode o espiritismo assumir a responsabilidade".
Mas nas obras de AK aparece exatamente o contrário. Por isso ó espírita Aksakof pôs em dúvida a seriedade científica e a própria lealdade e sinceridade de AK, quando escreveu: "Vê-se claramente que a propagação dessa doutrina (sobre a reencarnação), por Allan Kardec, foi assunto de sua maior predileção; a reencarnação não está em seus livros como tema de estudo, mas como dogma. Para sustentá-la recorreu sempre a médiuns escreventes, os quais, como é sabido, são facilmente influenciados por idéias preconcebidas, e o espírito as há engendrado em profusão; no entanto, através dos médiuns físicos, as comunicações são objetivas, e não se tem notícia de que alguma tenha sido favorável à reencarnação. Kardec prescindiu sempre desta classe de mediunidade, sob o pretexto de sua inferioridade moral. Os poucos médiuns físicos, franceses, que desenvolveram suas faculdades, apesar de Kardec, jamais foram por ele mencionados; ao contrário, permaneceram desconhecidos aos espíritas, Só porque em suas comunicações não sustentavam a doutrina da reencarnação" (cf. Introdução ao estudo da doutrina espírita, publicada pela FEB em 1946, pp. 144s., livro que a FEB já não edita mais).
Aliás, o codificador de fato não deu tão decisiva importância às mensagens espíritas. Em O livro dos espíritos, AK intercalou um capítulo próprio, dele mesmo, não recebido dos espíritos, sobre a reencarnação (cap. V, pp. 138-148), no qual faz considerações filosóficas pró e contra a pluralidade das existências. Pelo fim do capítulo escreve o seguinte: "Temos raciocinado, abstraindo, como dissemos, de qualquer ensinamento espírita, que, para certas pessoas carece de autoridade. Não é somente porque veio dos espíritos que nós e tantos outros nos fizemos adeptos da pluralidade das existências. S porque esta doutrina nos pareceu a mais lógica e porque só ela resolve questões até então insolúveis" (p. 147). AK, portanto, nos diz que é reencarnacionista não porque os espíritos revelaram, mas por motivos de ordem filosófica.
Estes e não o valor dos espíritos é que decidiram o codificador a aceitar a reencarnação I Isso é importantíssimo. O organizador da doutrina espírita continua ainda, para não deixar dúvidas a
respeito: "Ainda quando (a idéia da reencarnação) fosse da autoria de um simples mortal, tê-laíamos,
igualmente, adotado, e não houvéramos hesitado um segundo mais em renunciar às idéias que esposávamos. Em sendo demonstrado o erro, muito mais que perder do que ganhar tem o amor-próprio, com o se obstinar na sustentação de uma idéia falsa. Assim, também, tê-laíamos repelido, mesmo que provindo dos espíritos, se nos parecera contrário à razão, como repelimos muitas outra..”. Mesmo que provindo dos espíritos! O grifo é meu. Estas palavras mostram quanto valem para AK as comunicações dos "espíritos": exatamente nada. Revelassem eles a reencarnação ou ensinassem o contrário, o codificador, de qualquer jeito, seria reencarnacionista. Ele próprio o diz. Isso equivale a declarar a absoluta bancarrota do
espiritismo. Para que ainda comunicações dos espíritos? O melhor que poderão fazer é confirmar nossa opinião pessoal; se não concordarem conosco, repelimo-los. É o que nos ensina o exemplo de AK.
Poderia tomar a lembrar também o exemplo acima citado, em que vimos que há espíritos "cuja superioridade se revela na linguagem de que usam" e que disseram a "pessoas muito sérias" que o inferno existe mesmo - e, no entanto, para os espíritas a inexistência do inferno é outra verdade, absolutamente certa, tão certa como é certo que o planeta Júpiter tem apenas quatro luas...
Assim, pois, o critério da concordância, embora fosse, talvez, teoricamente aceitável ou pelo menos discutível, é praticamente inexistente. Por isso escreve também AK: "Não há outro critério, senão o bom senso, para se aquilata do valor dos espíritos" (III, 276), pois, declara ele, "o bom senso não poderá enganar" (III, 280). Vejamos, portanto, a viabilidade deste último critério.

C - O critério da lógica e do bom senso
Exposição: deixemos que primeiramente AK exponha o seu ponto de vista: "O primeiro exame comprobativo é, pois, sem contradita, o da razão, ao qual cumpre se submeta, sem exceção, tudo o que venha dos espíritos. Toda teoria em manifesta contradição com o bom senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos já adquiridos, deve ser rejeitada, por mais respeitável que seja o nome que traga como assinatura" (IV, 19s.). "Não admitais, portanto - recomenda o espírito de 'Erasto' - senão o que seja, aos vossos olhos, de manifesta evidência.
Desde que uma opinião nova venha a ser expendida, por pouco que nos pareça duvidosa, fazei-a
passar pelo crisol da razão e da lógica e rejeitai desassombradamente o que a razão e o bom
senso reprovarem" (III, 242s.).
Os espíritos revelaram, mas deixaram ao homem "o cuidado de discutir e verificar e submeter tudo ao cadinho da razão" (VI, 37). "Os espíritos verdadeiramente superiores nos recomendam de contínuo que submetamos todas as comunicações ao crivo da razão e da mais rigorosa lógica" (III, 149). Por isso: "Rejeitar, sem hesitação, tudo o que peque contra a lógica e o bom senso...este meio é único, mas é infalível" (III, 275s.); "é preciso sondar-lhe o íntimo, analisar-lhe as palavras friamente, maduramente e sem prevenção. Qualquer ofensa à lógica, à razão e à ponderação não pode deixar dúvida sobre a sua procedência, seja qual for o nome com que se ostente o espírito" (III, 276s.); "toda heresia científica notória, todo princípio que choque o bom senso, aponta fraude" (III, 277); "jamais os bons espíritos aconselham senão o que seja perfeitamente racional" (III, 279). "Não pode haver mistérios absolutos" (IV, 295); para o
espiritismo "absolutamente não há mistérios, mas uma fé racional, que se baseia em fatos e que
deseja a luz" (VII, 201).
Poderia acumular semelhantes textos. Mas já está suficientemente claro o verdadeiro pensamento do mestre espírita: o bom senso (o que seria esse bom senso que "não poderá enganar"?), a razão e a lógica são o critério único e supremo da verdade. Com isso estamos em pleno e perfeito racionalismo. Na edição brasileira de 1897 do Evangelho segundo o espiritismo, encontramos à p. VI o grito racionalista: "Queremos livres pensadores!" E na p. X está a mais crassa formulação do princípio racionalista do século passado: "Para fundar a doutrina que deve servir de apoio aos espíritos de hoje, não é necessário, não é preciso milagres, é preciso, ao contrário, que a ciência com seu escalpelo possa sondar todos os dogmas, todas as
máximas, todas as manifestações; é preciso que a razão possa tudo analisar, tudo elucidar, antes
de nada aceitar".
Crítica: com isso poderia dar por encerrado o exame dos fundamentos da doutrina espírita:
tornou-se evidente que o fundamento único é a razão - e a razão de AK! Com efeito: para que tantas comunicações de espíritos - se é a nossa razão que deve decidir e "rejeitar desassombradamente o que a razão e o bom senso reprovarem"? Para que tanta consulta de médiuns - se somos nós mesmos que devemos "submeter tudo ao cadinho da razão" e "rejeitar, sem hesitação, tudo o que peque contra a lógica e o bom senso"? Para que buscar tantas revelações do além - se é "preciso que a razão possa tudo analisar, tudo elucidar, antes de nada aceitar"?
Entretanto, vejamos mais uma vez o que nos diz AK sobre o valor decisivo deste critério da lógica e do bom senso: "O homem - escreve ele -, cujas faculdades são restritas, não pode penetrar, nem abarcar o conjunto dos desígnios do Criador; aprecia as coisas do ponto de vista da sua personalidade, dos interesses factícios e convencionais que criou para si mesmo e que não se compreendem na ordem da natureza. Por isso é que, muitas vezes, se lhe afigura mal e injusto aquilo que consideraria justo e admirável, se lhe conhecesse a causa, o objetivo, o resultado definitivo. Pesquisando a razão de ser e a utilidade de cada coisa, verificará que tudo traz o sinete da sabedoria infinita e se dobrará a essa sabedoria, mesmo com relação ao que não lhe seja compreensível" (VI, 67). Portanto: há mistérios! Portanto: não é possível que a "razão possa tudo analisar, tudo elucidar, antes de nada aceitar"! Mas AK nos oferece outros textos
semelhantes: "Há muitas coisas que não compreendeis, porque tendes limitada a inteligência.
Isso, porém, não é razão para que as repilais" (I, 79) - como combinar este conselho com aquele outro que mandava não admitir "senão o que seja ao vossos olhos de manifesta evidência"?
Outra vez: "Deus pode revelar o que à ciência não é dado aprender" (I, 56). Ainda outra vez fala
do "orgulho dos homens, que julgam saber tudo e não admitem haver coisa alguma que lhes esteja acima do entendimento" (I, 105). E mais: "Dos efeitos que observamos, podemos remontar a algumas causas. Há, porém, um limite que não nos é possível transpor. Querer ir além é, simultaneamente, perder tempo e cair em erro" (VII, 31). Mas essas palavras provam que a razão, a lógica, a ciência e o bom senso não podem ser o critério único e último da verdade. E quero alegar mais esse grão de ouro, escrito também por AK: "Para julgar os espíritos, como para julgar os homens, é preciso, primeiro, que cada um saiba julgar-se a si mesmo. Muita gente há, infelizmente, que toma suas próprias opiniões pessoais como paradigma exclusivo do bom e do mau, do verdadeiro e do falso; tudo o que lhes contradiga a maneira de ver, a suas
idéias e ao sistema que conceberam, ou adotaram, lhes parece mau. A semelhante gente evidentemente falta a qualidade primacial para uma apreciação sã: a retidão do juízo. Disso, porém, nem suspeitam. É o defeito sobre que mais se iludem os homens" (III, 280). Não teria sido, também, o mestre Kardec vítima deste defeito? Pois quem nos garante sua infalibilidade em julgar e discernir as revelações? "O primeiro indício da falta de bom senso está em crer alguém infalível o seu juízo" (I, 44); "o homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles, cujas idéias são as mais falsas, se apóiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível" (I, 28). Mas então, por que AK rejeitou a
divindade de Cristo, a inspiração divina da Bíblia, o pecado original, a graça, a redenção, os sacramentos, o inferno e outras multas coisas tão claramente reveladas na Sagrada Escritura? Não foi unicamente porque lhe parecia impossível? Não foi simplesmente porque sua razão não era capaz de compreender? Cristo, por exemplo, fala umas vinte vezes sobre o inferno e diz claramente que é sem fim e AK mesmo concede que alguns bons espíritos revelaram com bons modos a mesma existência do inferno - e, no entanto, não o admite! Por quê? Simplesmente porque sua razão acha que não pode ser, que Deus seria injusto etc. É necessário repetir com AK: "Procuremos em tudo a justiça e a sabedoria de Deus e curvemo-nos diante do que ultrapasse o nosso entendimento" (VI, 78). AK condenou-se a si mesmo, quando escreveu: "Em
geral os homens apreciam a perfeição de Deus do ponto de vista humano; medindo-lhe a sabedoria pelo juízo que dela formam, pensam que Deus não poderia fazer coisa melhor do que eles próprios fariam" (VI, 77). E mais: "Os homens de saber e de espírito, no entender o mundo, formam geralmente tão alto conceito de si próprios e de sua superioridade, que, tomando a inteligência que possuem para medida da inteligência universal e julgando-se aptos a compreender tudo, não podem crer na possibilidade do que não compreendem. Consideram sem apelação as sentenças que proferem" (IV, 109).
Concluindo e resumindo os resultados deste capítulo, temos que a doutrina espírita não apresenta nenhuma garantia de credibilidade. E em primeiro lugar já é puramente hipotética a suposição de que as mensagens mediúnicas venham de espíritos do outro mundo - o que por si já seria um duvidoso fundamento. Temos em segundo lugar a quase insuperável dificuldade de encontrar um verdadeiro médium, digno de inteira confiança e que nos dê garantias absolutas de não recorrer, nem consciente, nem inconsciente mente, aos próprios conhecimentos do inconsciente ou subconsciente. E ainda que o encontrássemos, teríamos a terceira, e esta de fato insuperável, dificuldade de discernir os espíritos superiores dos inferiores, as mensagens verdadeiras das erradas. Pois os critérios indicados por AK levam a um extremo, puro e crasso
racionalismo.
Os espíritas têm sempre um superior sorriso de malícia para a "fé cega" dos católicos -mas o espírita crê muito mais do que o católico e crê com muitíssimo menos base. Bem  escreveu o Pe. Heredia: "Se se admite a hipótese espírita de que a comunicação com as almas dos mortos é possível por meio de médiuns, há muito pouco fundamento para qualquer coisa que se pareça com religião; se se nega a hipótese, então é que não há nenhum fundamento" (Espiritismo e bom senso, 1924, p. 193).


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Fonte:

Espiritismo – orientação para católicos
Frei Boaventura Kloppenburg

A Resposta Católica: Espiritismo e os Concílios


Em que aspecto a doutrina espírita é semelhante à doutrina católica? É possível que um católico seja também espírita? Qual a posição da Igreja acerca do espiritismo? Padre Paulo Ricardo, neste vídeo, responde a estas e outras perguntas acerca dessa prática tão comum em nosso país!

Conversão de São Paulo


  São Paulo, Apóstolo (5-67) Nasceu em Tarso na Cilícia, era judeu e cidadão romano. Perseguidor das primeiras comunidades cristãs, foi conivente com o assassinato do protomártir Estêvão. Quando perseguia os cristãos, a caminho de Damasco, teve uma visão de Jesus envolto em uma luz incandescente que o cegou, durante três dias. Desde então converteu-se e começou a pregar o Cristianismo, viajando pelo mundo, pregando o evangelho de Jesus Cristo e o mistério de sua paixão, morte e ressurreição.

  A conversão de São Paulo é uma das mais importantes da história da Igreja Católica e uma das Colunas, subindo a jerusalém para pedir ao Apóstolo S. Pedro a autorização de Pregar o evangelho. Mostra o poder da graça divina, capaz de transformar Saulo, perseguidor da Igreja, no "Apóstolo Paulo" por excelência, que tem a iniciativa da evangelização dos pagãos. Ele próprio confessa, por diversas vezes, que foi perseguidor implacável das primeiras comunidades cristãs. Por causa disso atribui a si mesmo o título de "o menor entre os Apóstolos" e ainda, de "indigno de ser chamado Apóstolo". Mas Deus, que conhecia a sua retidão, tornou-o testemunha da morte de Santo Estevão, cena descrita nos Atos dos Apóstolos. A visão de Estevão apontando para os céus abertos e Cristo, aí reinando, domina a vida toda de Paulo, o grande missionário do Cristianismo.

  Percorreu a sia Menor, atravessou todo o Mediterrâneo em 4 ou 5 viagens. Elaborou uma teologia cristã e ao lado dos Evangelhos suas epístolas são fontes de todo pensamento, vida e mística cristãs. Além das grandes e contínuas viagens apostólicas e das prisões e sofrimentos por que passou, deve-se a ele que se auto denomina "servo de Cristo", a revelação da mensagem do Salvador, ou seja, as 13 Epístolas ou Cartas. Elas formam como que a Teologia do Novo Testamento, exposta por um Apóstolo. São Paulo, Apóstolo, sofreu o martírio em Roma. O ano é incerto, mas deve ter ocorrido entre 64 e 67.

 Duas festas litúrgicas foram criadas em homenagem a São Paulo. A primeira em 25 de janeiro, foi instituída na Gália, no século VIII, para lembrar a conversão do Apóstolo e entrou no calendário romano no final do século X. A segunda, lembrando o seu martírio a 29 de junho, juntamente com o do Apóstolo São Pedro, foi inserida no santoral (livro dos santos da Igreja Católica) muito antes da festa do Natal e havia desde o século IV o costume de celebrar neste dia três Missas. A primeira na basílica de São Pedro no Vaticano, a segunda na basílica de São Paulo fora dos Muros e a terceira nas catacumbas de São Sebastião, onde as relíquias dos dois Apóstolos tiveram de ser escondidas por algum tempo para subtraí-las à profanação. Há um eco deste costume no fato de que além da Missa do dia é previsto um formulário para a Missa vespertina da vigília.

  Depois da Virgem Maria, são precisamente os Apóstolos Pedro e Paulo, juntamente com São João Batista, os santos comemorados mais frequentemente e com maior solenidade no ano litúrgico. Por muito tempo se pensou que 29 de junho fosse o dia em que, no ano 67, Pedro na Colina Vaticana e Paulo na localidade agora denominada Três Fontes testemunharam sua fidelidade a Cristo com o derramamento do sangue. Na realidade, embora o fato do martírio seja um dado histórico incontestável, e está além disso provado que aconteceu em Roma durante a perseguição de Nero, é incerto não só o dia, mas até o ano da morte dos dois apóstolos. 

  Parece também que a festa do dia 29 de junho tenha sido a cristianização de uma celebração pagã que exaltava as figuras de Rômulo e Reno, os dois mitos fundadores da Cidade Eterna. São Pedro e São Paulo de fato, embora não tenham sido os primeiros a trazer a fé a Roma, foram realmente os fundadores da Roma cristã, um antigo hino litúrgico definia-os como pais de Roma.

A CREDIBILIDADE DOS ESPIRITOS QUE SE COMUNICAM

Observo desde logo que no momento não me interessa a doutrina espírita propriamente dita acerca da origem, natureza, qualidade, vida e finalidade dos espíritos. Aqui quero verificar apenas o que nos ensina AK sobre os espíritos enquanto se comunicam conosco por meio dos médiuns. Da doutrina geral sobre o mundo dos espíritos basta-nos por ora este resumo feito pelo próprio AK (III, 55):
1) Os fenômenos espíritas são produzidos por inteligências extra-corpóreas, às quais também se dá o nome de espírito. 
2) Os espíritos constituem o mundo invisível; estão em toda parte; povoam infinitamente os espaços; temos muitos de contínuo, em tomo de nós, com os quais nos achamos em contato. 
3) Os espíritos reagem incessantemente sobre o mundo físico e sobre o mundo moral e são uma das potências da natureza. 
4) Os espíritos não são seres à parte, dentro da criação, mas as almas dos que viveram na terra, ou em outros mundos, e que despiram o invólucro corpóreo; donde se segue que as almas dos homens são espíritos encarnados e que nós, morrendo, nos tomamos espíritos. 
5) Há espíritos de todos os graus de bondade e de malícia, de saber e de ignorância. 
6) Todos estão submetidos à lei do progresso e podem todos chegar à perfeição; mas, como têm livre-arbítrio, lá chegam em tempo mais ou menos longo,
conforme seus esforços e vontade. 
7) São felizes ou infelizes, de acordo com o bem ou o mal que praticaram durante a vida, e com o grau de adiantamento que alcançaram. A felicidade perfeita e sem mescla é partilha unicamente dos espíritos que atingiram o grau supremo da perfeição. 
8) Todos os espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar-se aos homens;
indefinido é o número dos que podem comunicar-se. 
9) Os espíritos se comunicam por médiuns, que lhes servem de instrumentos e intérpretes" .

Acentuemos alguns pontos:
1) Os espíritos "povoam infinitamente os espaços". É um princípio assente entre os espíritas que há "centenas de milhões de mundos habitados" (VI, 125): "Os espíritos estão em toda a parte, ao nosso lado, acotovelando-nos (!) e observando-nos sem cessar" (II, 110); "o mundo espiritual ostenta-se por toda a parte em redor de nós como no espaço, sem limite algum designado. Em razão mesmo da natureza fluídica do seu envoltório, os seres que o compõem, em lugar de se locomoverem penosamente sobre o solo, transpõem as distâncias com a rapidez do pensamento" (V, 27); "os espíritos são, como se vê, seres semelhantes a nós, constituindo, ao nosso derredor, toda uma população, invisível no estado normal" (III, 63); "se, em dado momento, pudesse ser levantado o véu que no-los esconde, eles formariam uma população, cercando-nos por toda a parte" (II, 109); "cada um (espírito) é um centro que irradia para
diversos lados. Isso é que faz parecer estar um espírito em muitos lugares ao mesmo tempo. Vês o sol? É um somente. No entanto, irradia em todos os sentidos e leva muito longe os seus raios" (I, 81).
2) "O espírito tem uma perspicácia divina, que abrange tudo, podendo adivinhar até o pensamento alheio" (V, 178). 
3) Mas nem todos os espíritos são igualmente bons e sábios: "Como há homens de todos os graus de saber e ignorância, de bondade e maldade, dá-se o mesmo com os espíritos. Alguns destes são apenas frívolos e travessos; outros são mentirosos, fraudulentos, hipócritas, maus e vingativos; outros, pelo contrário, possuem as mais sublimes virtudes e o saber em grau desconhecido na terra" (II, 111). AK insiste freqüentemente nesta grande diversidade entre os espíritos: "Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal" (VII, 241).
"Sabe-se que os espíritos, em virtude da diferença entre as suas capacidades, longe se acham de estar, individualmente considerados, na posse de toda verdade; que nem a todos é dado penetrar certos mistérios; que o saber de cada um deles é proporcional à sua depuração; que os espíritos vulgares mais não sabem do que muitos homens; que entre eles, como entre estes, há presunçosos e sofômanos, que julgam saber o que ignoram; que tomam por verdades sistemáticas as suas Idéias; enfim que só os espíritos de categoria mais elevada, os que já estão completamente desmaterializados, se encontram despidos das idéias e preconceitos terrenos" (IV, 19). E mais uma vez: "Cumpre que não esqueçamos que, entre os espíritos, há, como entre
os homens, falsos sábios e semi-sábios, orgulhosos, presunçosos e sistemáticos" (III, 334).
4) Existem mesmo espíritos muito maus, que "se comprazem no mal e ficam satisfeitos quando se lhes depara ocasião de praticá-lo" (I, 83). Eles "são inclinados ao mal, de que fazem o objeto de suas preocupações. Como espíritos, dão conselhos pérfidos, sopram a discórdia e a desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar" (I, 87). Temos ainda os espíritos estouvados, "que se comprazem antes na malícia do que na malvadez e cujo prazer consiste em mistificar e causar pequenas contrariedades" (I, 83); os espíritos levianos, que "são ignorantes, maliciosos, irrefletidos e zombeteiros. Metem-se em tudo, a tudo respondem, sem se incomodarem com a verdade. Gostam de causar pequenos desgostos e ligeiras alegrias, de intrigar, de induzir em erro, por meio de mistificações e de espertezas" (I, 88). Deles diferem os espíritos pseudo-sábios, que "dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém crêem saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado alguns progressos sob diversos pontos de vista, a linguagem deles aparenta um cunho de seriedade, de natureza a iludir com respeito às suas
capacidades e luzes" (I, 88).
5) É de suma importância observar que não só os espíritos superiores, sábios, benévolos, bons e puros se comunicam com os homens e trouxeram as mensagens que serviriam de base para a formulação da doutrina espírita: também os maus, os estouvados, os levianos, os pseudosábios, os ignorantes, maliciosos, irrefletidos e zombeteiros etc. - todos eles contribuíram com suas mensagens: "Todos os espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar-se aos homens; indefinido é o número dos que podem comunicar-se" (III, 55). 
6) Existem até mesmo espíritos sérios e bons e que falam com toda a seriedade e boa fé - e não obstante nos enganam: "Nem todos os espíritos sérios são igualmente esclarecidos; há muita coisa que eles ignoram e sobre que podem enganar-se de boa fé" (III, 149 e 248); "pode um espírito ser bom, afável, e ter conhecimentos limitados, ao passo que outro, inteligente e instruído, pode ser muito inferior em moralidade" (III, 275).
7) "Há falsários no mundo dos espíritos, como os há neste" (III, 273): "Os espíritos perversos são capazes de todos os ardis" (III, 274); "reúnem à inteligência a astúcia e o orgulho" (III, 281); "identificam-se com os hábitos daqueles a quem falam e adotam os nomes mais apropriados a causar forte impressão nos homens por efeito de suas crenças" (III, 285); "há falsários que imitam todas as caligrafias" (III, 285); imitam) também a linguagem dos outros (III, 284); e há espíritos tão hábeis que nem mesmo se traem "por sinais materiais involuntários" (III, 287). Em suma, observa AK, resumindo as suas experiências, "a astúcia dos espíritos mistificadores ultrapassa às vezes tudo o que se possa imaginar. A arte, com que dispõem as
suas baterias e combinam os meios de persuadir, seria uma coisa curiosa, se eles nunca passassem dos simples gracejos..." (III, 342).
8) Importante é ainda a seguinte observação: "Entre os espíritos, poucos há que tenham nome conhecido na terra. Por isso é que, as mais das vezes, eles nenhum nome declinam. V 6s, porém, quase sempre quereis um nome; então, para vos satisfazer, o espírito toma o de um homem que conhecestes e a quem respeitais" (III, 281); ou então "adotam os nomes mais apropriados a causar forte impressão" (III, 282). "Certos espíritos, presunçosos ou pseudosábios, procuram conseguir a prevalência das mais falsas idéias e dos mais absurdos sistemas. E, para melhor acreditados se fazerem e maior importância ostentarem, não escrupulizam de se adornarem com os mais respeitáveis nomes e até com os mais venerandos" (III, 150); e outra
vez: "a sabido que os espíritos enganadores não escrupulizam em tomar nomes que lhes não pertencem, para impingirem suas utopias" (IV, 19). E não se pense que o caso é raro: "Este caso é tão freqüente, que devemos estar sempre prevenidos contra essas espécies de substituições". 
Por isso AK dá o princípio de que "quanto mais venerável for o nome com que um espírito se apresente, tanto maior desconfiança deve inspirar. Quantos médiuns têm tido comunicações apócrifas assinadas por Jesus, Maria, ou um santo venerado" (III, 274).
9) Há até mesmo espíritos "que juram tudo o que se lhes exigir" (III, 272).
10) Os espíritos não se apresentam com carteira de identidade, e mesmo quando indicam algum nome, como vimos, não se lhes pode acreditar, ainda que jurem em nome de Deus a inútil também exigir identificação, pois "semelhante pedido o magoa, pelo que deve ser evitado", aconselha AK; e explica: "Com o deixar o seu corpo, o espírito não se despojou da sua suscetibilidade; agasta-o toda questão que tenha por fim pô-lo à prova" (III, 271). Não é, pois, permitido, pedir ao espírito prova de identidade! E se pedirmos o seu nome, ele indicará um nome qualquer que nos formais conhecido ou querido, até o de um grande santo, se assim nos agradar. E se continuarmos a insistir, pedindo identificação, o espírito, se não for dos que brincam e zombam, lança o seu protesto, "não respondendo ou retirando-se" (III, 272). Diz ainda AK: "Pode, sem dúvida, o espírito dar provas desta (identidade), atendendo ao pedido que se lhe faça; mas assim só procede quando lhe convenha" (III, 271). E ainda então, que garantias apresenta?
11) E não só os espíritos inferiores costumam dar nomes e identidade falsa: "O mesmo ocorre todas as vezes que um espírito superior se comunica espontaneamente, sob o nome de uma personagem conhecida. Nada prova que seja exatamente o espírito dessa personagem;
porém, se ele nada diz que desminta o caráter dessa última, há presunção de ser o próprio e, em todos os casos, se pode dizer que, se não é ele, é um espírito do mesmo grau de elevação, ou, talvez, até um enviado seu" (III, 270). E assim pergunta o próprio AK: "Quem pode, pois, afirmar que os que dizem ter sido, por exemplo, Sócrates, Júlio César, Carlos Magno, Fénelon, Washington etc., tenham realmente animado essas personagens?" E continua: "Esta dúvida existe mesmo entre alguns adeptos fervorosos da doutrina espírita, os quais admitem a intervenção e manifestação dos espíritos, mas inquirem como se lhes pode comprovar a
identidade. Semelhante prova é, de fato, bem difícil de produzir-se. Conquanto, porém, não o possa ser de modo autêntico como por uma certidão de registro civil, pode-o ao menos por presunção, segundo certos indícios" (I, 34). Temos, portanto, que o máximo concedido no supremo arraial espírita é: "por presunção e segundo certos indícios"... Mas consola-se o mestre espírita: "A questão de nome é secundária" (III, 270), "a questão da identidade é quase indiferente, quando se trata de instruções gerais. Não é a pessoa deles o que nos interessa, mas o ensino que nos proporcionam. Ora, desde que o ensino é bom, pouco importa que aquele que o deu se chame Pedra, ou Paulo" (III, 272)...
12) Observemos ainda que os espíritos maus e levianos se comunicam também com as pessoas sérias. Pois, diz AK, "também os homens sérios, que não mesclam de vã curiosidade seus estudos", podem ser enganados e mistificados pelos espíritos inferiores e zombeteiros (III, 284). Até mesmo "há pessoas que nada perguntam e que são indignamente enganadas por espíritos que vêm espontaneamente, sem serem chamados" (III, 341). 
13) "Para que um espírito possa comunicar-se, preciso é que haja entre ele e o médium relações fluídicas, que nem sempre se estabelecem instantaneamente. Só à medida que a faculdade se desenvolve, é que o médium adquire pouco a pouco a aptidão necessária para pôrse em comunicação com o espírito que se apresente. Pode dar-se, pois, que aquele, com quem o médium deseje comunicar-se, não esteja em condições propícias a fazê-lo, embora se ache presente, como também pode acontecer que não tenha possibilidade nem permissão para acudir ao chamado que lhe é dirigido" (III, 204). Por isso AK recomenda que "ninguém se obstine em chamar determinado espírito" e que, antes de fazer a evocação, se reze pedindo o espírito. E, "formulada a súplica, é esperar que um espírito se manifeste, fazendo escrever alguma coisa.
Pode acontecer que venha aquele que o impetrante deseja, como pode ocorrer também que venha um espírito desconhecido... qualquer que ele seja, em todo o caso, dar-se-á a conhecer, escrevendo o seu nome" (III, 205). Mas que nome? E como podemos confiar naquele nome? Já o sabemos. . . Assim, suponhamos um caso corriqueiro e de todos os dias, comum no ambiente espírita. Imaginemos que certa pessoa convidada pelos espíritas, e levada pela saudade, vá a um centro para ter notícias de sua falecida mãe. Façamos de conta que o médium seja pessoa honesta e digna de toda confiança. Demos como admitido que o evocador consiga comunicação com um espírito (um dos muitos que nos "acotovelam sem cessar"), que afirma ser a procurada mãe. Será de fato? Nem mesmo se é igual no modo de falar, na assinatura, no estilo, no jeito etc. 
Nem mesmo se jura em nome de Deus. Pois se, como nos informa AK, estão por aí inúmeros espíritos que "se comprazem no mal e ficam satisfeitos quando se lhes depara ocasião de praticá-lo", espíritos "capazes de todos os ardis", "imitam todas as caligrafias" e "identificam-se com os hábitos daqueles a quem falam, e adotam os nomes mais apropriados a causar forte impressão".
Além de praticar um ato severamente proibido por Deus, será totalmente inútil e tempo perdido evocar a alma da falecida mamãe. Muito mais inútil será então a evocação como meio para codificar uma nova doutrina com o fim de constituir "a religião da humanidade". 
Concluindo esta parte relativa à credibilidade dos espíritos, chegamos ao seguinte resultado: supondo mesmo que AK ou qualquer outro codificador da doutrina espírita se tenha servido apenas de médiuns que merecem a nossa inteira confiança, transmitindo exclusiva e certamente mensagens recebidas do além e não hauridas do próprio inconsciente ou subconsciente (suposição que ainda não foi demonstrada!), teríamos AK diante deste quadro desolador: uma enorme quantidade de comunicações, as mais disparatadas e contraditórias, boas e más, mentirosas e fraudulentas, educadas e ridículas; aconteceu ter recebido informações em tom muito sério e seguro, assinadas pelos nomes mais venerandos e ilustres e que, no entanto, podiam vir muito bem de espíritos mentirosos e embusteiros; ocorreu que espíritos comprovadamente bons e da melhor boa vontade e boa fé podiam dar instruções errôneas e enganar involuntariamente; podia haver mensagens cavilosamente ditadas por aqueles espíritos "que se comprazem no mal e rejubilam quando se lhes depara ocasião de praticá-lo" e "se mascaram de todas as maneiras possíveis para melhor enganar" e que "são capazes de todos os ardis", dispondo de tanta habilidade que nem sequer se traem "por sinais materiais involuntários", dispostos mesmo a "jurar tudo o que se lhes exigir", permitindo ao mesmo tempo Deus que "também os homens sérios" sejam assim "indignamente enganados por espíritos que vêm espontaneamente, sem serem chamados"... Eis o material que serviu de base para formular a terceira revelação! Agora era necessário separar o bom do mau, discernir o verdadeiro do falso, o sério do ridículo, os alhos dos bugalhos; era preciso catar o que é certo, deixando o que é falso, peneirar as palavras dos espíritos melhores, jogando fora o cisco dos espíritos zombeteiros. Na verdade, difícil empreitada e espinhosa missão! Mas AK teve coragem de meter mãos à obra. Acompanhemo-lo neste trabalho de selecionar, ordenar, coordenar e, como dizem os espíritas, "codificar" a doutrina espírita.

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Fonte:

A Santa Missa é o grande auxílio para as Santas Almas do Purgatório


Para concluir esta instrução, refleti que não foi premeditado desígnio que disse anteriormente que uma única Santa Missa, tomada em si e em relação ao seu valor intrínseco, basta para esvaziar inteiramente o Purgatório e abrir a todas as almas, que lá se acham, as portas do Paraíso.


Com efeito, este Divino Sacrifício vai em auxílio das lamas dos falecidos, não só satisfazendo por suas dívidas como propiciatório, mas ainda obtendo-lhes a libertação, como impetratório. Isto decorrente claramente da conduta da Igreja, que não somente oferece a Santa Missa pelas almas sofredoras, como também insere orações para libertá-las.


Ora, a fim de excitar vossa compaixão por essas santas almas, sabei que o fogo em que estão mergulhados é tão devorador quanto o do próprio Inferno. Tal é a opinião de São Gregório. Instrumento da Justiça Divina, ele age sobre as almas com tão grande ardor, que lhes causa dores intoleráveis e superiores a todos os suplícios que jamais se pode ver, experimentar ou sequer imaginar aqui na Terra.

Muito mais, porém, sofrem elas pela pena de dano, e é, a privação da bem-aventurada visão de DEUS. Elas experimentam, diz São Tomás, uma insuportável angústia, causada pelo desejo que têm de ver o Soberano Bem, desejo que não pode ser satisfeito.

Pois bem, consulta-vos intimamente e respondei à pergunta: Se vísseis vosso pai e vossa mãe a ponto de afogar-se num lago e que para salvá-los vos bastasse estender a mão, não seríeis levados, pela caridade e pela Justiça, a socorrê-los!?

E então! vedes com os olhos da Fé tantas pobres almas de vossos parentes próximos, queimando vivas num lago de fogo, e não quereis impor-vos um pequeno incômodo para assistir devotamente à uma Santa Missa em seu sufrágio. De que é feito o vosso coração? Pois quem pode duvidar que a Santa Missa leve um grande auxílio a essas pobres almas? Quanto a isto, ouvi São Jerônimo. Ele vos dirá claramente que, ao celebrar-se a Santa Missa por uma alma do Purgatório, o fogo tão devorante que ordinariamente a consome, suspende sua ação e ela não sofre pena alguma enquanto dura o Sacrifício.

Animae quae sunt in Purgatorio pro quibus solet sacerdos in Missa orare, ínterim nullum tormentum sentiunt dum Missa celebratur.

Além disso, afirma que, a cada Santa Missa, muitas almas ficam livres do Purgatório e voam para o Paraíso? Missa celebrata, plures animae exeunt de Purgatório. Acresce que esta caridade, exercida em favor das pobres almas, redundará inteiramente em vosso proveito.

Infinidade de exemplos poderia eu apresentar-vos em apoio desta afirmação. Contentar-me-ei com um fato perfeitamente autêntico, acontecido com São Pedro Damião. Criança ainda, ele perdeu o pai e foi recolhido na casa de um dos irmãos, que o tratava com muita desumanidade a ponto de deixá-lo andar descalço, em andrajos e lhe faltando tudo.

Sucedeu que um dia o menino achou, na rua, uma moeda qualquer. Imaginai a sua alegria e como lhe pareceu ter achado um tesouro. Mas em que empregá-lo! A pobreza sugeria-lhe mil projetos. Por fim, depois de refletir longamente, decidiu dar o dinheiro a um sacerdote para que celebrasse uma Santa Missa pelas santas almas do Purgatório. Podeis acreditar: desde então a fortuna mudou para ele. Recolheu-o outro dos irmãos, mais compassivo, que o amou como um filho deu-lhe roupas convenientes, enviou-o à escola, contribuindo assim para que ele se tornasse esse grande homem e grande Santo, ornamento púrpuro e forte sustentáculo da Igreja. Vede como uma única Santa Missa, encomendada com ligeiro sacrifício, se tornou para ele a origem de tão grande bem.

Ó bem-aventurada Santa Missa! Que ajuda ao mesmo tempo os mortos e os vivos, que alcança graças para o tempo presente e para a eternidade. Essas santas almas são tão gratas a seus benfeitores, que chegando ao Céu, elas se constituem seus advogados e jamais os abandonam até que os vejam de posse da glória.

Foi o que verificou uma mulher de má vida em Roma. Inteiramente esquecida de sua salvação, não pensava senão em satisfazer suas paixões, e servia de agente de satanás para corromper a mocidade.

Já não fazia nenhuma boa ação, a não se encomendar quase todos os dias uma Santa Missa pelas almas do Purgatório.

Oh! Essas almas, como se pode crer piedosamente, oraram tão bem por sua benfeitora, que um belo dia, tomada de profunda contrição de suas faltas, ela abandonou sua casa infame, foi prostrar-se aos pés de um zeloso confessor, fez sua confissão geral e pouco tempo depois morreu em consoladoras disposições que todos ficaram persuadidos de sua salvação eterna. Esta graça tão admirável foi atribuída à eficácia das Santas Missas que ela encomendava pelas lamas do Purgatório.

Despertemos também nós, e não deixemos que os publicanos e as mulheres da má vida nos precedam no Reino de DEUS (Mt 21,31)

Se fôsseis dessa raça de ingratos que não só faltam à caridade, que se esquecem de rezar por seus falecidos, e não participam nunca de uma Santa Missa por esses pobres afligidos, mas ainda, violando toda justiça, recusam aplicar os legados piedosos de Missas, indicados no testamento de seus parentes.

Oh! Então eu me inflamaria a vos diria em face: “Retira-vos, sois piores que um demônio, pois, realmente, os demônios só torturam as almas dos réprobos, mas vós, vós atormentais as almas dos eleitos; os demônios exercem sua raiva sobre os condenados, mas vós sois cruéis com os predestinados, os amigos de DEUS. Não, não há para vós, nem confissão que valha, nem padre que vos possa absolver se não fizerdes penitência de tão grande pecado e não solverdes inteiramente as dívidas que tendes com os mortos.”

- Mas, direis, não tenho meios de encomendar essas missas, não é possível.

- Não tendes meios? Não é possível? E para manter essa casa confortável, para andar suntuosamente vestido, para gastar loucamente em festins, em recepções de prazer, e, às vezes, em, divertimentos criminosos, tendes meios.Depois quando se trata de pagar vossas dívidas, aos pobres defuntos; não possuís nada! Não é possível?! Ah! compreendo: não há ninguém na Terra para cobrar essas contas. Mas tereis que prestá-las a DEUS. Continuai, portanto, a comer os bens dos mortos, os legados piedosos, os sacrifícios, mas sabei que é para vós que está escrito nos Profetas uma ameaça de desgraças, de calamidades, de tribulações, de ruína irreparável para vossos bens, vossa honra e vossa vida. Eis a palavra de DEUS que não poderá ficar sem efeito: Comederunt sacrificia mortuorum et multiplicata est in eis ruína – “Comeram os sacrifícios dos mortos e multiplicou-se neles a ruína” (Sl 102, 28-29).

Sim, ruínas, infortúnios, perdas irreparáveis às casas que não se desobrigaram de seus deveres para com os mortos.

Vede quantas famílias extintas, quantas casas arruinadas, lojas fechadas, comércio em apuros, falências, quantos males, quantos lamentos! Mas qual é a causa? Um exame atento revelaria que uma das causas principais é a crueldade para com os pobres mortos, recusando-lhes os sufrágios devidos, negligenciando o cumprimento dos legados piedosos. Comederunt sacrificia mortuorum et multiplicata est in eis ruín.

Entretanto, não consiste ainda nisto todo o castigo de DEUS àqueles sem amor a seus falecidos: outro maior lhes está reservado na outra vida. São Tiago assegura que eles serão julgados por DEUS com todo o rigor da justiça, sem misericórdia, pois que eles mesmos foram impiedosos com os pobres mortos. Judicium sine misericordia illi qui non fecit misericordiam. (Tg 2, 13). Permitirá DEUS que seus herdeiros lhes paguem na mesma moeda, e é, que suas últimas disposições não sejam cumpridas, as Missas deixadas em testamento não sejam realizadas: e, se forem celebradas, DEUS não as aplicará a eles, mas a outras almas que nesta vida tiveram compaixão dos mortos.

Isto nos ensinam, outrossim, nossas crônicas, a respeito de um irmão que, após a morte, apareceu a um de seus companheiros, revelando-lhe que no Purgatório sofria dores extremas, especialmente por ter sido muito negligente em rezar por seus irmãos falecidos. Até aquele momento ele não recebera nenhum alívio dos sufrágios e Missas oferecidos em seu favor. Como punição por sua negligência, DEUS os aplicava a outras almas que em vida tinham sido devotas das almas sofredoras.

Ante de terminar esta instrução, permiti-me caro leitor, suplicar-vos de joelhos e mãos postas de não fechar este livro sem tomar a firme resolução de fazer, no futuro, todo o esforço para assistir ou encomendar todas as Santas Missas que vossas ocupações e vossa condição vos permitirem, não só pelas almas dos falecidos, mas também pela vossa, e isto por dois motivos. Em primeiro lugar, para alcançardes uma boa e santa morte, pois é opinião constante dos teólogos que não há meio mais eficaz para se chegar a um bom fim, do que a Santa Missa. Ainda mais, Nosso Senhor JESUS CRISTO revelou a Santa Mectilde que aquele que, durante a vida, tiver tido o hábito de assistir devotamente à Santa Missa, será consolado na morte pela presença dos Anjos e dos Santos protetores, que o defenderão poderosamente contra todos os ataques dos demônios. Ah!

De que bela morte será coroada a vossa vida, se a tiverdes empregado em assistir a todas as Santas Missas que puderdes.

Em segundo lugar, par sair prontamente do Purgatório e voar à glória eterna. Já provamos suficientemente a eficácia da Santa Missa para apressar a remissão das penas do Purgatório. Contentai-vos aqui com o exemplo e autoridade do grande servo de DEUS, João d´Ávila, oráculo da Espanha. Encontra-se em artigo de morte e alguém lhe perguntou o que mais queria depois da morte, e ele respondeu: Missas, Missas, Missas! Mas se me permite, eu quisera dar-vos, sobre este ponto, um conselho de grande importância: cuidai de mandar celebrar durante vossa vida todas as Santas Missas que desejaríeis que fossem celebradas depois de vossa morte, e não encarregueis disto os que ficarem no mundo depois de vós.

Tanto mais que Santo Anselmo vos ensina que uma única Santa Missa assistida ou celebrada por vossa intenção durante vossa vida, vos será talvez mais útil que mil depois de morrerdes.

Audire devote unicam Missam in vita vel dare eleemosynam pro ea, pordest magis quam relinquere ad celebrandum mille post obitum.

Bem compreendera esta verdade aquele rico mercador de Gênova que ao morrer, não deixou nenhuma disposição para assegura-se sufrágios.

Todos se admiravam de que um homem tão rico, tão piedoso e generoso para com todo mundo, tivesse sido tão cruel consigo. Mas, terminados os funerais, encontraram-se lançadas, em um de sus livros de contas, as grandes caridades que fizera por sua alma durante a vida. “Missas celebradas por minha alma, dois mil escudos; para o casamento das jovens, dez mil; para tal santuário, duzentos, etc.”

E no fim lá estava escrito: “Porque quem deseja o próprio bem, faça-o a si durante a vida, e não conte com os outros para que lho façam depois de morto.”

É provérbio bastante conhecido que uma vela à frente clareia mais que uma tocha atrás.

Aproveitai tão belo exemplo e pesai bem a utilidade e as vantagens da Santa Missa. Deplorai a cegueira em que tendes vivido até agora, desestimando o valor de tão grande tesouro, que por longo tempo tem sido para vós um tesouro oculto.

Agora, portanto, que lhe conheceis o preço, bani de vosso espírito e mais ainda de vossos lábios estas expressões escandalosas: “Uma missa a mais, uma missa a menos, pouco importa. Já basta assistir à Santa Missa nos dias de preceito! A Missa daquele padre é uma Missa de semana santa: quando ele sobe ao altar, eu fujo da Igreja.” E tomai novamente a resolução de assistir, de hoje em diante, a todas as Santas Missas que puderes, e assistir com a devida devoção: e, para que assim seja, servi-vos, com a graça de DEUS do método piedoso e fácil que segue.

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Fonte:
As Excelências da Santa Missa – São Leonardo de Porto Maurício

O FUNDAMENTO ESPIRITA DA DOUTRINA

  A doutrina espírita pretende basear-se sobre a evocação dos espíritos. Nisto precisamente os espíritas distinguem sua filosofia das outras, em que estas são o produto da simples e pura especulação falível da razão humana, enquanto a filosofia deles seria o resultado da revelação dos espíritos do além, que se teriam comunicado com a humanidade por meio de certas pessoas especialmente aptas para isso e que por esta razão receberam a denominação de "médiuns". 
  Numerosos médiuns serviram e continuam a servir de intermediários entre a humanidade e os espíritos reveladores. Muitos e de variada capacidade intelectual e moral foram também os espíritos do além que nos teriam falado. Estas múltiplas e diferenciadas comunicações recebidas pelos médiuns foram estudadas, selecionadas, coligidas e codificadas em um só corpo doutrinário pelo Sr. Hipólito Leão Denizard Rivail, que as publicou em vários livros, sob o pseudônimo de Allan Kardec e que, por isso, é denominado "o codificador da doutrina espírita". 
  Em A gênese, de 1868, sua última obra, esclarece AK a natureza da revelação espírita e resume sua explicação com estas palavras: "O que caracteriza a revelação espírita é o ser divina sua origem e da iniciativa dos espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem" (n. 13).

1. OS QUATRO FATORES FORMATIVOS DA DOUTRINA ESPIRITA
É, pois, a doutrina espírita o resultado de um complexo de quatro fatores, que devem ser estudados com muito cuidado: 
1) o fato da evocação dos espíritos; 
2) o instrumento da revelação espírita, ou o médium; 
3) os próprios espíritos que se comunicam; 
4) a codificação das mensagens. 
Por conseguinte, para que a doutrina espírita ou qualquer outra mensagem "do além" apresente garantias de credibilidade ou aceitabilidade, é de todo indispensável saber:
1) Se a evocação dos espíritos é um fato indiscutivelmente demonstrado. Qualquer dúvida a este respeito seria um abalo total nos próprios fundamentos da doutrina espírita. A negação deste fato seria a contestação radical do espiritismo. Sem evocação dos espíritos não há espiritismo. Ele se baseia de todo sobre a prática da evocação dos mortos. Essa verificação é importante, se considerarmos que a evocação dos mortos ou espíritos foi com muito rigor vedada por Deus, que a condenou como "maldade e abominação". A desobediência declarada contra Deus, a revolta aberta contra o Criador: eis a principal pedra sobre a qual repousa todo o movimento espírita. Para garantir e justificar sua doutrina, os espíritas não deveriam apenas
demonstrar que de fato recebem comunicações do além, mas que Deus ou nunca interditou a evocação, ou revogou definitivamente a proibição, determinando agora que aquilo que antigamente fora condenado como maldade e abominação e punido com os castigos mais severos fosse hoje transformado em princípio e fundamento de uma nova religião sua. 
  Entretanto, é frágil e hipotética esta primeira pedra fundamental da doutrina espírita. A real comunicação provocada com os espíritos, no sentido em que é entendida pelos espíritas, está longe de ser comprovada e aceita pela ciência e pela razão. Esta questão será estudada no capítulo VI.
2) Se o médium ou os médiuns que serviram de instrumento para a revelação espírita eram pessoas de absoluta confiança e credibilidade, transmitindo apenas e exclusivamente as mensagens recebidas dos espíritos, sem recorrer, nem consciente nem inconsciente mente, ao depósito dos conhecimentos próprios.    Qualquer dúvida a respeito da honestidade ou da perfeita capacidade mediúnica destes instrumentos significaria novo abalo para a perfeita credibilidade da doutrina espírita. Também isso é em si evidente, mesmo que aceitemos como certo o primeiro ponto, isto é: o fato da comunicação com os espíritos do além.
3) Se para a doutrina espírita foram aproveitadas apenas mensagens dos espíritos certamente sinceros, bons, sábios e competentes. Deve haver garantia absoluta de que todas as comunicações dos espíritos maus, frívolos, brincalhões e zombeteiros foram postas de lado. 
  Qualquer dúvida a este respeito desabonaria outra vez o resto da doutrina, ainda que nos fossem
assegurados os dois primeiros pontos, a saber: que de fato houve comunicação com os falecidos
e que o médium era mesmo probo e capaz.
4) Se o codificador era homem intangivelmente honesto, correto e leal, codificando apenas as comunicações recebidas de espíritos superiores, bons e sábios, recebidas exclusivamente por médiuns inatacáveis e competentes. Deve haver certeza controlável de que o codificador não modificou pessoalmente nenhuma comunicação, nem introduziu um pensamento próprio não recebido dos espíritos, sem anotá-lo com escrupuloso cuidado. 
  Qualquer dúvida fundada acerca da honestidade científica ou da integridade moral do codificador lançaria suspeitas negras também sobre o resto da doutrina, muito embora possuíssemos garantias suficientes para as três primeiras exigências: que houve indubitavelmente mensagens do além, que o médium era pessoa competente e digna, que todas as mensagens de espíritos inferiores foram identificadas e rejeitadas.
  São esses os quatro fatores ou postulados que garantiriam a credibilidade da doutrina espírita, como também de qualquer outra mensagem do além. Faltando qualquer um deles, já não haverá credibilidade e seria imprudência abraçar semelhante sistema como nova religião. 
  Havendo dúvidas a respeito de qualquer um deles, duvidosa será a doutrina toda. Se qualquer um deles for apenas hipotético, hipotética será também a doutrina inteira. Se, porém, todos os quatro pontos fossem indiscutivelmente certos, a doutrina espírita apresentaria suficientes motivos de credibilidade e poderia e deveria ser aceita por todo ser pensante.
  Estes postulados fundamentais da doutrina espírita já nos fazem entrever que o interesse máximo da apologia do espiritismo há de girar sempre em tomo destes pontos: provar que a comunicação com o além é uma realidade e não foi proibida por Deus (e por isso procuram negar a inspiração divina da Bíblia); que há médiuns excelentes intangíveis em sua honestidade e que não fraudaram nem de modo consciente nem inconsciente; que é possível identificar os espíritos superiores e distingui-los dos maus ou zombeteiros; e que AK foi pessoa altamente honesta, honrada, inteligente e capaz.
  O homem não é cego; é um ser racional. Ele deve por isso orientar a sua vida segundo os ditames da razão e não conforme os impulsos do instinto cego. Uma fé inteiramente cega, sem os motivos de credibilidade, seria irrazoável e indigna do homem. Compreendemos sem dificuldade que Deus pode comunicar-se com os homens, revelando-nos certas verdades, mesmo tais que transcendam inteiramente nossa limitada capacidade racional, impondo-nos mandamentos, prescrevendo ritos e orações etc. Mas ao mesmo tempo exigimos, como postulado absoluto de nossa razão, que esse invisível Deus-revelador nos apresente motivos de credibilidade, nos dê garantias e provas seguras de que não estamos sendo iludidos, mistificados e enganados. Assentimos de bom grado e com coração agradecido a tudo que Deus nos revela e manda, mas só depois de termos conseguido certeza de que foi realmente Deus quem nos falou. Confessamo-nos crentes, mas repelimos sempre energicamente a credulidade I Não é a quaisquer aparições ou comunicações do além que nos sujeitamos, ainda mesmo sob as aparências exclusivas do bem: queremos e temos sempre o direito de reclamar provas de identidade. Cego e irracional seria, e indigno do homem e sobretudo extremamente imprudente, aceitar, sem as garantias de sua origem divina, comunicações e instruções do mundo invisível e incontrolável dos espíritos. Pois existe sempre e a priori a possibilidade de sermos vítimas do mal que se apresenta sob as aparências do bem. Porquanto é só sob tais aparências do bem que o mal pode ter esperança de ser aceito pelo homem normal e são. Ninguém aceitaria o mal como
mal. Por isso nos admoesta são Paulo: "O próprio Satanás se transforma em anjo da luz e seus seguidores se transformam em servos da justiça" (2Cor 11,14s.).
  Pois bem, essa mesma deve ser também nossa atitude perante. as mensagens recebidas pelos espíritas por meio dos médiuns, dado que sejam realmente comunicações do além. Assim como o homem racional não aceita cegamente, sem garantias de sua origem e sem motivos de credibilidade, nem mesmo as revelações do próprio Deus, da mesma forma não recebe, nem pode aceitar, sem aquelas mesmas precauções, as mensagens que se dizem ditadas pelos espíritos. A posse destas garantias é condição fundamental para a aceitabilidade das mensagens espíritas. Estudaremos, portanto: a credibilidade do médium, a credibilidade dos espíritos que se comunicam e a credibilidade da codificação.

2. A CREDIBILIDADE DOS MÉDIUNS
Demos a palavra ao mestre espírita AK:
"Os espíritos se comunicam por médiuns, que lhe servem de instrumentos e intérpretes" (III, 55): "Médiuns são pessoas aptas a sentir a influência dos espíritos e a transmitir os pensamentos destes" (VII, 51; ci. I, 19; 11, 134). Portanto, para podermos obter alguma mensagem dos espíritos, se não tivermos nós mesmos a faculdade mediúnica, devemos servirmos destes médiuns.
  Daí é evidente que, em primeiro lugar, a credibilidade da mensagem depende da confiança que merece o próprio médium, do qual nos servimos como de um instrumento indispensável. 
"A faculdade mediúnica - esclarece AK - é uma propriedade do organismo e não depende das qualidades morais do médium" (II, 237; cf. III, 166). Os médiuns moralmente inatacáveis não são, nem por isso, os melhores. Os bons médiuns "são raros" (III, 237), e "por muito bom que seja, um médium jamais é tão perfeito, que não possa ser atacado por algum lado fraco" (III, 238), pois "os médiuns de mais mérito não estão ao abrigo das mistificações dos espíritos embusteiros; primeiro, porque não há ainda, entre nós, pessoa assaz perfeita, para não ter algum lado fraco, pelo que dê acesso aos maus espíritos; segundo, porque os bons espíritos permitem mesmo, às vezes, que os maus venham, a fim de exercitarmos a nossa razão" etc. (III, 132). Em suma: não podemos confiar sem mais nos médiuns: "Ao evocador e, mesmo, ao
simples observador, cabe apreciar o mérito do instrumento" (II, 134).
  E assim a primeira grande dificuldade será encontrar um médium, que não só disponha duma faculdade mediúnica bem desenvolvida, mas que seja ao mesmo tempo moralmente inatacável e digno de confiança, para que possa servir de instrumento para um negócio tão importante e sério que é o de receber novas revelações do além. Pois, como reconhece o próprio AK, "nada se prestaria melhor ao charlatanismo e à trapaça do que semelhante ofício" (III, 343). E precisamente a história dos médiuns é uma interminável história de fraudes conscientes ou inconscientes.

1. Fraudes conscientes
  Longe de mim afirmar que todos os fenômenos mediúnicos são efeitos da fraude consciente. Quero salientar apenas a existência relativamente abundante das fraudes conscientes, que podem ser praticadas também por verdadeiros médiuns. Nos Estados Unidos existem até mesmo "escolas de mediunidade", onde se aprende a fazer materializações, fotografias de espíritos, sessão de gabinete etc. lá o velho Petrônio dizia: "Mundus volt decipi": o mundo quer ser enganado; e por isso sempre tem havido velhacos, embusteiros e trapaceiros que trataram de satisfazer este desejo das massas. Pois "é infinito o número dos tolos" (Ecl 1,15). AK confessa: "Encheríamos um volume dos mais curiosos, se houvéramos de referir todas as mistificações de que temos tido conhecimento" (II, 342). Também Leão Denis: "Muitos (médiuns) têm sido desmascarados em plena sessão; alguns já foram colhidos nas malhas de ruidosos processos" (No invisível, 5ª ed. p. 401). Outro fiel companheiro de AK, Camille Flammarion, escreveu: "Posso dizer que nestes quarenta anos quase todos os médiuns célebres passaram pelo meu gabinete - e a quase todos surpreendi em fraude" (Les forces naturelles inconnues, tomo I, p. 90). Muitos médiuns, dos mais conceituados e famosos, acabaram confessando que tudo tinha sido fraude. Poderia transcrever longas páginas dessas confissões. Eis um exemplo:
  Em 1949 um grupo de jornalistas espíritas promoveu no Diário da Noite de São Paulo uma longa série de 70 reportagens, sob este título geral: "Há ou não há fenômenos espíritas em São Paulo?" Inicialmente foi feito um convite "a todos os experimentadores e a todos os centros em que se processam fenômenos de materialização ou de transporte", para verificar a autenticidade dos mesmos. "Note-se - acentuava o jornalista espírita J. Herculano Pires, para animar os centros a se submeterem ao controle - que constituímos um grupo, em sua quase totalidade, de espíritas, interessados, portanto, muito mais na autenticidade do que na inveracidade dos fenômenos" (30-4-1949). No entanto, só pouquíssimos centros se prontificaram para este controle. Pois bem, esta longa série de reportagens constitui o mais sensacional capítulo sobre a fraude escrito no Brasil. Já os vários títulos o propalavam. Exemplos: 
"Avalanche de mistificações nas chamadas sessões de materialização"; "Arrancando a máscara a um campeão da fraude", "Dramática derrota de um médium fraudulento"; "Exigem fenômenos e o médium os produz"; "Testemunhou fraudes espíritas em São Paulo, Santos e Sorocaba" etc. A conclusão final, a que chegaram: "Fraude - regra geral" (18-7-1949). Foram surpreendidos em fraude manifesta os seguintes médiuns: Oscar Barbosa, Oswaldo Pereira de Oliveira, José Correia das Neves, João Rodrigues Cosme, Lúcio Cosme, Sebastião Egídio de Sousa Aranha, Valdemar Lino, Francisco Antunes Bello (o médium do famoso caso da operação em Pindamonhangaba) e outros mais. Fazendo um balanço geral, escreve o jornalista espírita Wandick Freitas: "Dos fenômenos simulados pelos próprios médiuns, fraudes perfeitamente verificadas, anotamos, entre outros: levitações de cometas (megafones); toques de mãos (simulação de materialização); voz direta; transporte (um par de luvas de borracha transportado para a sala da sessão dentro dos sapatos); raps (pancadas); estalos de dedos e de nervos; amarração de mãos em várias posições com as próprias gravatas; levitação de vitrola e diversos objetos mais leves; simulação de transe e de possessão por espíritos inferiores etc. Algumas fraudes foram filmadas em completa escuridade com filmes infravermelhos" (18-7-1949).
  Interessantíssimo e de muito valor é também o depoimento do Dr. Everardo Backheuser, então professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. "Nada, absolutamente nada, observei." Eis o resumo deste documento. E o eminente cientista continua: "A minha impressão é de que naquilo que me foi dado ver - e foi muito, cerca de 100 sessões - se tratava, apenas, de grosseiras ou ingênuas mistificações, isto é, de mistificações preconcebidamente arquitetadas ou do fruto da ignorância do médium e boa fé dos que o rodeavam". 
  Veja-se o depoimento reproduzido em meu livro O espiritismo no Brasil, pp. 306-308. O leitor poderá encontrar na citada obra outros depoimentos semelhantes. Robert Tocquet publicou em 1971 um amplo
estudo sobre Le bilan du surnatltrel (Les Productions de Paris). Seu "inventário do sobrenatural", posterior ao Tout l'occultisme dévoilé, de 1952, deveria ser estudado com atenção, para não sucumbir à tentação da credulidade.

2. Fraudes inconscientes
  Mais perigosas, todavia, são as fraudes inconscientes, quando o médium, sem querer e de boa fé, dá as próprias idéias como mensagens recebidas dos espíritos. Porque, afinal, as fraudes conscientes podem ser desmascaradas com relativa facilidade. Dificílimo, porém, senão impossível, se toma o controle do inconsciente ou subconsciente do médium. Seria suficiente recordar o que os psicólogos ensinam sobre a mitomania, as personificações e os automatismos psíquicos. Concedem os grandes mestres espíritas a possibilidade e mesmo a freqüência da fraude inconsciente. AK admite que "as comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio espírito encarnado no médium" (III, 222). A expressão "espírito encarnado no médium", é um modo espírita de falar e quer dizer "alma do médium" Diz ainda AK que isso
se dá quase sempre quando o médium está no "estado de sonambulismo ou de êxtase" (III, 223); e tais mensagens, acrescenta ele, podem ser até superiores às dos próprios espíritos. Outras vezes - é sempre AK quem nos dá esses esclarecimentos - o "espírito encarnado no médium" exerce influência sobre as comunicações que deve transmitir, provindas dos espíritos: "Se estes não lhe são simpáticos, pode alterar-lhes as respostas e assimilá-las às suas próprias idéias e a seus pendores" (III, 224). Em outro lugar, falando desta influência que os médiuns podem ter sobre as mensagens, escreve AK esta passagem um tanto longa, mas que merece ser meditada: "Onde, porém, a influência moral do médium se faz realmente sentir, é quando ele substitui, pelas que lhe são pessoais, as idéias que os espíritos se esforçam por lhe sugerir e também quando tira da sua imaginação teorias fantásticas que, de boa fé, julga resultarem de uma comunicação intuitiva. É de apostar-se então mil contra um que isso não passa de reflexo do próprio espírito do médium. Dá-se mesmo o fato curioso de mover-se a mão do médium, quase mecanicamente às vezes, impelida por um espírito secundário e zombeteiro. É essa a pedra de toque contra a qual vêm quebrar-se as imaginações ardentes, por isso que, arrebatados pelo ímpeto de suas próprias idéias, pelas lantejoulas de seus conheci. mentos literários, os médiuns desconhecem o ditado modesto de um espírito criterioso e, abandonando a presa pela sombra, o substituem por uma paráfrase empolada. Contra esse escolho terrível vêm igualmente chocar-se as personalidades ambiciosas que, na falta das comunicações que os bons espíritos lhes recusam, apresentam suas próprias obras como sendo desses espíritos (III, 242).
  Não há dúvida de que aqui estamos diante de um ponto de capital importância. Pois é interessante relembrar que as mensagens espíritas sempre refletem o espírito do tempo e a mentalidade dos espíritas. Para confirmar este ponto, poderíamos tomar como exemplo o próprio AK. Assim, p. ex., revelaram os espíritos (e foi o "espírito de Galileu"!) que o planeta Marte não tem satélite nenhum e que Júpiter tem apenas quatro. Encontramos estas mensagens na obra A gênese, publicada em 1868. Ora, naquele tempo os astrônomos estavam de fato convencidos de que Júpiter tinha apenas quatro luas (descobertas por Galileu!) e Marte nenhuma. O espírito de Galileu, portanto, embora pudesse, segundo AK, falando dos espíritos em geral, "percorrer o espaço e transpor as distâncias com a rapidez do pensamento" (II, 108), ficou no mesmo estado de ignorância como quando era astrônomo cá na terra. 
  Trata-se aqui de casos de comunicações de espíritos que podem ser controladas pela técnica da ciência moderna. Mas com isso mesmo caem fortes suspeitas também sobre os outros resultados não-controláveis. Pode muito bem ser que AK fosse sincero em suas afirmações; isso, todavia, não exclui que ele tenha sido vítima do seu próprio inconsciente ou subconsciente. 
  De fato, diz Douglas Home, "as revelações de Kardec não passam das suas próprias idéias, impostas aos médiuns (pois ele era magnetizador) e por ele depois corrigidas". Veremos mais adiante o que realmente fez AK com as mensagens recebidas. Veremos também que AK foi ajudado em tudo isso por outros espíritos "encarnados" e vivos, que naquele tempo influíam sobre ele.
  Outro exemplo: mal acabara de divulgar-se a Uranografia de Laplace (teoria segundo a qual nosso sistema planetário se originou de uma nebulosa em rotação), que então se impunha como a última palavra no assunto, e já a Sociedade Espírita de Paris, presidida por AK, em 1862 e 1863, por meio do médium C. F. (que era o próprio Camilo Flammarion!), recebia uma série de comunicações, assinadas pelo espírito de "Galileu" em pessoa e na qual se repetia - e portanto "revelava" - servilmente toda a teoria laplaciana. Ora, a Cosmografia moderna, baseada nos dados mais recentes da Astronomia, já demonstrou a absoluta impossibilidade do sistema uranográfico. Flammarion confessará mais tarde: "São evidentemente o reflexo do que eu sabia, do que pensávamos naquela época sobre a cosmogonia". Muitos anos depois, em entrevista com Paulo Heuzé (Les morts vivent-ils, p. 89), Flammarion dirá: "Se o caro colega espera que diga alguma coisa de preciso, eu não o poderia. Comecei meus trabalhos com referência a essa questão em 1862; eis, pois, sessenta anos que os pesquiso. Hoje não posso afirmar senão uma coisa, é que eu nada sei, é que não compreendo nada absolutamente. Um só ponto me parece esclarecido: é que, na grande maioria dos casos, há sugestão consciente ou não de espírito a espírito. Em certos casos, muito raros, parece que esta explicação possa parecer insuficiente; e então qual outra para a substituir? Eu o ignoro cada vez mais. O médium que age por si mesmo? 
  Uma causa. diferente dele? Depois de sessenta anos de estudos, eu nada sei, nada, nada".
  Assim também outras milhares de "revelações espíritas" sobre o milagre, o mistério, a pessoa de Cristo, a origem das religiões, da doutrina da Santíssima Trindade e do pecado original, as "contradições" da Bíblia, a impossibilidade da ressurreição ou do juízo final etc., de que estão repletas as obras de AK e Leão Denis, correspondem precisamente à mentalidade racionalista e liberal da França do século passado e deles AK poderia repetir hoje: "São evidentemente o reflexo do que eu sabia, do que pensávamos naquela época". Viviam ainda no otimismo iluminista.
  Um livro espírita intitulado Revelação dos papas e que teria sido ditado pelos espíritos dos papas, contém os maiores dislates históricos, reflexo evidente da ignorância e da mentalidade anti-católica do médium. Eis algumas amostras: Alexandre I fala nas invasões dos bárbaros e do feudalismo, que só vieram séculos depois; Urbano I aparece de tiara - ornamento que só muito depois o papa usou, e mora no Vaticano - que não existia no seu tempo; Alexandre V conta as proezas de seu pontificado e se acusa das crueldades que cometeu, mas a história diz que ele nem chegou a tomar posse; Benedito V, que também nunca chegou a governar, por ter morrido antes da posse, faz longa descrição de seu governo e de seus crimes; Júlio I governou mais de mil anos depois de ter morrido, em compensação Clemente V governa oito séculos antes de ter nascido. . .
  O famoso espírito Emmanuel revelou ao nosso Chico Xavier todas as calúnias e invenções que se encontram em Leão Denis e que este por sua vez colecionou nas obras dos anti-clericais franceses do século passado. Eis aí algumas "revelações" recebidas por Chico Xavier: "A história do papado é a do desvirtuamento dos princípios do cristianismo, porque, pouco a pouco, o Evangelho quase desapareceu sob as suas despóticas inovações. Criaram os pontífices o latim nos rituais, o culto das imagens, a canonização, a confissão auricular, a adoração da hóstia, o celibato sacerdotal e, atualmente, noventa por cento das instituições são de origem humaníssima, fora de quaisquer características divinas" (Emmanuel, 4\1- ed., p. 30); "o Vaticano não soube, porém, senão produzir obras de caráter exclusivamente (sic! ) material" (p. 31); "ninguém ignora a fortuna gigantesca que se encerra, sem benefício para ninguém, nos pesados cofres do Vaticano" (p. 57); ele sabe que a Igreja "fez mais vítimas que as dez perseguições mais notáveis" (p. 56); conhece a "imensidade de crimes, perpetrados à sombra 39 dos confessionários penumbrosos" (p. 52); tem notícias do "célebre livro das taxas, do tempo de Leão X, em que todos os preços de perdão para os crimes humanos estão estipulados" (p. 61); sabe que "o dogma da trindade é uma adaptação da trimurti da antigüidade oriental" (p. 30) - tudo isso puríssima revelação trazida pelo "espírito de Emmanuel" ao nosso cândido Francisco Xavier. . .
  Em outro livro espírita, muito espalhado pela federação, Roma e o Evangelho (5\1- ed.), aparecem inúmeras mensagens de nossos santos que viraram espíritas: são Paulo nega a necessidade do culto externo (p. 96); Sto. Agostinho manda prosseguir na obra de romper com a Igreja e renegar a fé católica (p. 104s.); Fénelon ataca Roma e a infalibilidade do papa (p. 106); Tomás de Aquino exalta a doutrina espírita (p. 111); Maria, "a mãe de Jesus", aparece em longas páginas (117-135) para exaltar o espiritismo; atacar em termos violentíssimos a Igreja, os padres e os Papas; negar a divindade de Jesus e nossa redenção por Cristo; contestar a existência do demônio, do inferno, do pecado original, de Adão etc.; zombar do sacramento da penitência e da ordem; e acaba com severa ameaça contra os adversários do espiritismo; são João Evangelista aparece nas páginas 141-177 para descrever a origem do mundo e dos seres vivos segundo o mais crasso evolucionismo etc.
  Ora, tudo isso, digamo-lo francamente, não é muito apto a nos convencer da presença real de espíritos desencarnados. É antes a traição do subconsciente do próprio médium, que repete fielmente os mesmos erros e as mesmas mentiras históricas que ele, em estado consciente, ouviu de algum doutrinador espírita ou leu em algum dos livros publicados pela Federação Espírita Brasileira. Quando, em uma sessão espírita, comparece um santo Agostinho ou santo Tomás de Aquino e diz meia dúzia de banalidades de aprovação e propaganda do espiritismo; quando se apresenta até Nossa Senhora para exaltar o espiritismo, atacar violentamente a Igreja e negar a divindade de seu Filho, Nosso Senhor e Deus Jesus Cristo; quando um são João Evangelista nos vem descrever minuciosamente o mais extremo e crasso evolucionismo monofilético já hoje felizmente superado pela ciência; quando aparecem papas que nem mesmo aproximadamente se recordam do tempo em que viveram ou que narram fantásticos crimes que eles teriam cometido e a história nos diz que estes mesmos papas nem sequer chegaram a governar; quando se apresenta Galileu Galilei para nos revelar novidades astronômicas que logo depois são desmentidas pela verificação experimental; quando vem aí um santo Antônio ou são Francisco, que se santificaram em grau heróico na Igreja Católica, à qual serviram até o derradeiro momento de sua vida, para agora investir contra esta mesma Igreja; - convenhamos, então, é claro, é evidente, é manifesto que estas mensagens não provêm dos tais santos, mas dos sonhos subconscientes (ou, por vezes, conscientes!) do próprio médium ou de algum dos assistentes.
  Richet, depois de mais de vinte anos de experiências espíritas, acabou pondo em dúvida a presença de qualquer espírito desencarnado nas sessões a que assistira, especialmente porque "jamais os espíritos puderam provar que sabem qualquer coisa. Nenhuma descoberta inesperada tem sido indicada, nenhuma revelação tem sido feita... nenhuma parcela da ciência futura tem sido suspeitada". Com efeito, cem anos de intensa revelação espírita não contribuíram em nada ao progresso das ciências, nem mesmo da medicina: quando receitam, os médicos do espaço só conhecem remédios caseiros ou homeopáticos... E continua Richet: "Mostram-nos eles poetas que não conhecem poesia; filósofos que não conhecem a filosofia; padres que não conhecem a religião" (Tratado de metapsiquica, I, p. 122).
  O prof. Flournoy observa que "para os especialistas da Sociedade de pesquisas psíquicas -ainda quando são espíritas de convicção, como Hodgson, JIyslop - não há nada mais raro do que encontrar um verdadeiro médium, nem mais difícil do que distinguir o autêntico do que não é autêntico nas suas comunicações. Porque os melhores médiuns constantemente misturam os seus sonhos e as suas idéias subconscientes com o que lhes vem do além --" sem falarmos nas perturbações devidas à influência dos vivos; e, nos mesmos desencarnados, parece que há tais dificuldades para conseguirem se comunicar conosco, que nunca podemos estar certos da exatidão verbal de qualquer das comunicações recebidas" (Spirt. and Psychology, p. 184). E aqui no Brasil a gente tem a impressão de que nada há mais fácil ou mais comum do que conversar com os falecidos e ter notícias "do alto". . .
  A conclusão que disto tudo podemos coligir é que, mesmo pondo-nos sobre a base espírita, supondo a realidade da comunicação com os espíritos, encontramos a primeira enorme dificuldade na escolha de um médium que mereça a nossa inteira confiança por sua integridade moral, que não seja vítima das mistificações dos espíritos maus, nem nos dê a probabilidade de nos enganar de má ou boa fé, recorrendo aos próprios conhecimentos inconscientes ou subconscientes.
  Mas - para poder continuar na argumentação - admito e suponho que se encontre um tal médium, do qual estamos inteiramente certos de que é honesto e digno de toda a confiança e que supere também, não apenas com probabilidade, mas com absoluta certeza, todos os escolhos acima indicados. Segue então o problema dos espíritos que se comunicam.

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Fonte:

Espiritismo – orientação para católicos
Frei Boaventura Kloppenburg