14 de Novembro: A oração pelos mortos

A ORAÇÃO PELOS MORTOS

Saudade e oração
Não julguemos que lembrar nossos mortos é ter apenas deles uma saudade que aos poucos vai decres­cendo em intensidade, à medida que passam os anos. Chorar nossos mortos e perpetuar-lhes a lembrança no mármore, na tela, no livro é permitido, sim. Po­rém, não fiquemos só nisto. Juntemos à saudade a oração. Não basta chorar, precisamos orar. E nun­ca se precisa tanto de oração como depois da morte. No purgatório as pobres almas estão como o paralítico da piscina que dizia a Jesus: — Hominem non habeo! Senhor, eu não tenho um homem que me lan­ce na piscina para ser curado.
Dependem aquelas almas santas de nossos sufrá­gios, de nossas orações e sacrifícios. Deus as entre­gou à nossa caridade. Sempre é eficaz a nossa oração pelas almas.
“É infinitamente mais útil e eficaz a oração pela libertação dos defuntos que padecem no purgatório, que a oração pelos pecadores da terra, cuja perversi­dade e más disposições paralisam os esforços para os salvar. As santas almas não põem obstáculo algum à eficácia das orações que por elas fazemos.” Tal é a opinião do piedoso oratoriano Pe. Faber.
Juntemos à nossa imensa saudade dos mortos nossos queridos, a oração e sempre a oração.
Escreveu o Pe. Sertillanges: “A lembrança dos mortos sem a oração, é uma lembrança fria, um tris­te pensamento. É uma exploração do nada. Porém com a oração, é um vento que sopra em direção a Deus, é uma ascensão nas asas da esperança”. (Le probléme de la prière. Revue de Jeunes — Nov. 1915.)
Oremos pelas almas benditas que padecem no purgatório! Demos-lhe a esmola de nossas preces fer­vorosas e da riqueza das indulgencias do tesouro da Igreja.
Dizia São Francisco de Sales: “Vós que chorais inconsoláveis a perda de vossos entes queridos, eu não vos proíbo de chorar, não! Chorai, mas procurai adoçar vossas lágrimas com o suave bálsamo da ora­ção que muito mais do que todas as demonstrações exteriores de pesar, pode concorrer para aliviar as almas que a morte vos arrebatou”.
Esta é também a linguagem da Igreja, nossa Mãe. Não proíbe nossas lágrimas. É tão humano chorar! Todavia não fiquemos tão só num pranto estéril e desesperado. Oremos! Juntemos ao pranto nossas orações. Saudade e oração. Choremos nossos mortos como cristãos verdadeiros.

Meio fácil
Sim, é o mais fácil dos meios de socorrer os mor­tos, a oração. Alguns podem achar difícil o jejum, ou a mortificação, podem se queixar da pobreza que: não lhes permite dar esmolas, mas quem pode se excusar e desculpar-se de não poder orar?
A mais curta oração feita com as devidas disposições é um alívio para os fiéis defuntos. Quem não pode bradar: dai-lhes, Senhor, o descanso eterno!  
Fez Nosso Senhor tantas promessas à oração! “Pedi e recebereis, batei e se vos há de abrir. É pre­ciso sempre orar”. A oração de Marta e Maria leva Jesus a ressuscitar Lázaro. Nossas preces pelos de­funtos hão de tirar as pobres almas daquele estado de morte em que se encontram.
As lágrimas, as flores, os mausoléus pomposos nada aproveitam aos mortos. É melhor rezar por eles. “Poupai vossas lágrimas, dizia São João Cri­sóstomo, pelos defuntos e dai-lhes mais orações”. Es­creve Santo Ambrosio numa das suas cartas a Faustinus, que acabava de perder a irmã: “É preciso assisti-la com orações mais do que chorá-la, e convém recomendar a sua alma muito a Deus na oração. Cho­ra menos e reza mais”.
Repitamos também esta recomendação a tantos que choram seus mortos sem se lembrarem de uma prece, de uma Santa Missa, de uma obra de cari­dade para sufragar-lhes as pobres almas. Quantas orações tão belas e eficazes e poderosos para o su­frágio dos nossos mortos! O Padre Nosso, a Ave Ma­ria, o De Profundis, o Ofício dos mortos. A Igreja, nossa Mãe, nos dá exemplo de oração pelos defuntos. Termina muitas vezes as suas preces litúrgicas como as Horas canônicas pela súplica tocante: “Fidelium animas per misericordiam Dei requiescat in pace”. E as almas dos fiéis pela misericórdia de Deus descansem em paz! Desde os tempos primitivos, e já nas catacumbas, a prece pelos defuntos era conhecida e praticada na Igreja. Encontram-se nas pedras inscrições como estas: Vitório, que Deus refrigere o teu espírito! Antonia, doce alma, que Deus te de o refrigério! Que Cristo te ponha na paz! Que tua alma re­pouse em Deus! Sempre as súplicas a Deus pedindo refrigério, luz e paz para os mortos. É muito agra­dável a Deus a oração pelos mortos.
Um dia, Santa Gertrudes rezava com fervor pe­los defuntos, quando Nosso Senhor lhe fez ouvir es­tas palavras: “Eu sinto um prazer todo especial pela oração que me fazem pelos fiéis defuntos, principalmente quando vejo que à compaixão natural se junta a boa vontade de a tornar mais meritória. A oração dos fiéis desce a todo instante sobre as almas do pur­gatório como um orvalho refrigerante e benéfico, co­mo um bálsamo salutar que adoça e acalma suas do­res e ainda as livra das suas prisões mais ou menos rapidamente, conforme o fervor da devoção com que é feita”. Noutra ocasião, disse Nosso Senhor a sua serva querida: “Muitíssimo grata me é a oração pe­las almas do purgatório, porque por ela tenho oca­sião de libertá-las das suas penas e introduzi-las na glória eterna”.
Eis aí um meio tão poderoso de ajudar as pobres almas, e tão fácil, tão ao nosso alcance! Oremos e muito pelas pobres almas!

Oremos pelos fiéis defuntos!
Sim, já que a oração é tão poderosa para socor­rer os mortos, aliviar as penas das pobres almas, va­mos em socorro do purgatório! “A oração da alma fervorosa, diz São Bernardo, sobe até o céu e de lá não desce sem ser ouvida. Se pede amor de Deus, vem dele cheia; se pede humildade, esta logo a vem adornar; si pede a libertação das almas do purgató­rio, tem igualmente todo poder para alcançá-la”.
São João Damasceno escreve: “Não vos pode­ria narrar tantos testemunhos encontrados na vida dos santos pelos quais se provam claramente as van­tagens da oração que se fazem pelos defuntos! Não é em vão que se reza pelos mortos!”.
Todas as orações são úteis para as almas, mas algumas mais do que outras. Por exemplo, as orações canônicas do Breviário ou Divino Ofício são muito mais valiosas e eficazes. Que valor não terá uma prece oficial da Igreja pelos mortos! Depois, apro­veitemos o tesouro da Via Sacra, acompanhando os mistérios dolorosos da Paixão do Salvador e ofere­cendo o Preciosíssimo Sangue para refrigério do pur­gatório. Que dizer do Rosário? Que tesouro da Igre­ja padecente!
Apliquemos todas as indulgências do Rosário pe­las almas. Uma jovem libertada do purgatório pelo rosário de São Domingos, apareceu a este servo da Virgem e lhe disse: “Em nome das almas do purga­tório eu vos conjuro, pregai por toda parte e fazei conhecer a toda gente a devoção do Rosário. Que os fiéis apliquem às pobres almas as indulgências e os outros favores espirituais desta devoção tão santa. A Santíssima Virgem e os Anjos e Santos se alegram com o Rosário, e as almas libertadas por ele rezam no céu pelos seus libertadores”.
Façamos novenas e orações em comum pelos mor­tos, principalmente logo depois que deixaram eles este mundo. Há o piedoso costume de se fazer uma novena pelo falecido, começando logo no dia seguinte ao da morte ou do enterro. Durante nove dias se reúne a família em torno de um altarzinho para im­plorar a misericórdia do Senhor pelo defunto. Mul­tipliquemos fervorosas preces pelos nossos mortos queridos e pelas almas mais abandonadas. “Minha filha, dizia certa vez Nosso Senhor a Santa Lutgarda, não posso resistir às tuas súplicas. A alma pela qual pedes logo estará livre dos seus sofrimentos”. Ó, não será esta a resposta que nos dará Nosso Se­nhor também, si orarmos com todo fervor de nossa alma, com toda caridade pelos defuntos?
 Um santo bispo, conta Rossingnolli em suas Ma­ravilhas do purgatório, um santo bispo teve um so­nho. Viu uma criança que com um anzol de ouro e uma linha de prata retirava uma mulher de um pro­fundo poço. Acordou, abriu a janela e viu no cemi­tério, que lhe estava no fundo da casa e vizinho, um menino tal como o que viu em sonho, ajoelhado junto a um túmulo, em oração.
— Que faz aí, menino? pergunta-lhe o bispo.
— Eu rezo um Padre Nosso e um De Profundis pela alma de minha mãe, que aqui está sepultada.
Entendeu logo o santo prelado que a oração sin­gela do pequenino era o anzol de ouro e o Padre Nos­so e o De Profundis o fio misterioso que vira em so­nho. Tal é a nossa oração pelos mortos.

Exemplo
Santa Margarida de Cortona e as almas do purgatório
A grande pecadora que foi Margarida de Cortona e que convertida veio a ser a Madalena dos últimos tempos, pela admirável penitência e a grande santi­dade a que chegou, era uma grande devota das santas almas do purgatório. Desde que se converteu dedi­cou-se, cheia de caridade, a socorrer as almas sofredoras. Nosso Senhor lhe permitiu ver muitas vezes a triste condição destas almas para lhe excitar a com­paixão e interceder por elas. Dois negociantes foram assassinados, e por misericórdia de Maria Santíssima, da qual eram fervorosos devotos, alcançaram uma contrição perfeita na hora derradeira e se sal­varam. Apareceram à Santa e lhe disseram:
— “Escapamos da eterna condenação pela especial proteção de Maria Santíssima, mas teremos que padecer um horrível purgatório para expiar nossas injustiças e mentiras e pecados, ó Serva de Deus, nós vos pedimos que mandeis avisar nossos amigos e pa­rentes que façam restituições de nossos maus negó­cios e dêem muitas esmolas aos pobres em paga de nossas injustiças. Ajudai-nos, Margarida, com vos­sos sufrágios”.
A Santa se empenhou muito com orações e peni­tências em socorrer estas pobres almas. E assim fa­zia sempre que Nosso Senhor lhe revelava a necessi­dade e as aflições de algumas almas do purgatório. Quando faleceu o pai da Santa penitente, ofereceu ela por aquela alma querida muitas orações e toda sorte de sufrágios, penitências e santas Comunhões.
Deus Nosso Senhor lhe fez conhecer que as suas orações aliviaram as almas do seu pai e da mãe, e que tiveram muito abreviados dias de purgatório.
Também ao saber da morte de uma criada, Gillia, que durante muito tempo ficou com ela, Margari­da não cessou de recomendar esta alma da pobrezi­nha a Nosso Senhor. Foi-lhe revelado que a criada ficaria no purgatório apenas até a festa da Purifi­cação de Nossa Senhora e logo seria levada ao céu pelos Anjos.

Na hora da morte, Santa Margarida de Cortona viu uma multidão de almas com esplendor da glória do céu que vinham ao encontro da sua benfeitora, cheias de gratidão. Era a recompensa da sua dedi­cação e devoção às almas do purgatório.

13 de Novembro: A Santa Comunhão pelos mortos


A SANTA COMUNHÃO PELOS MORTOS
Depois da Santa Missa...

Sim, depois da Santa Missa, não há sufrágio me­lhor e mais poderoso para socorrer as pobres almas que a Santa Comunhão. Escreveu São Boaventura: “Que a caridade te leve a comungar, porque nada há tão eficaz para proporcionar descanso aos que pade­cem no purgatório”.
É verdade que a Eucaristia como alimento espi­ritual é destinada aos vivos. É o cibus viatorum — alimento dos viajores, no expressivo e belo dizer da Liturgia. Tem por fim sustentar a alma na peregri­nação terrena, fortificá-la na luta contra os inimi­gos. Como pode ser um auxílio e sufragar os mortos? Discutiram os teólogos esta questão, mas todos estão de acordo que muito mérito e muitas obras boas faz quem recebe o Corpo de Cristo e esta união íntima da alma com seu Deus á torna mais agradável e mais poderosa para interceder pelos mortos, e torna a Co­munhão um dos mais poderosos e úteis sufrágios de­pois da Santa Missa. Dizia Tobias: “Põe o teu pão e o teu vinho sobre a sepultura do justo”. Como se aplica bem esta passagem da Escritura à Comunhão pelos mortos! É o Pão de Vida eterna e o Vinho transubstanciado no Sangue de Jesus Cristo que vamos colocar em nosso coração para implorarmos a mise­ricórdia pelos nossos queridos e saudosos mortos! A lembrança dos mortos unida à Santa Eucaristia é tão bela e consoladora! Não é só pelo Sacrifício do Cor­po e do Sangue de Jesus Cristo que se podem aliviar as almas do purgatório. A Sagrada Eucaristia como sacramento pode ser de grande alívio para os defuntos, principalmente quando os fiéis vivos se unem para aplicar o fruto de uma Comunhão geral. É uma prá­tica autorizada pela Igreja. A Comunhão dignamen­te recebida é muito proveitosa para os fiéis defuntos. Quantos atos bons não se praticam numa só Comu­nhão! Preparação habitual pelo estado de graça que muitas vezes custa tanto ao cristão conservá-lo, pre­paração próxima pelos atos de fé, esperança e de amor, enfim, os sacrifícios que tornam meritória pa­ra os defuntos como sufrágio, a Comunhão. E de­mais, aquela união íntima da alma com seu Criador e Redentor nos momentos depois da Comunhão, não fazem de quem comunga um mediador entre Deus e as pobres almas, para pedir, com fervor, o alívio dos mortos?
Diz Santo Ambrósio que “a Eucaristia é um sa­cramento de descanso e paz para os defuntos e ao mesmo tempo um banquete”. Logo, a Comunhão pode aliviar os mortos, na opinião do Santo Doutor. São João Crisóstomo chama a Comunhão auxílio dos defuntos. E São Cirilo, o maior auxílio dos defuntos — maximum defunctorum juvamen.
Se soubéssemos quantas graças de santidade po­demos atrair para nossas almas com a Santa Comu­nhão, com a participação do Corpo e do Sangue de Cristo, quanto consolo e alívio podemos dar aos que sofrem no purgatório, sentiríamos um desejo arden­te de comungar muitas vezes pelos nossos mortos e aplicar em sufrágio das pobres almas sofredoras to­dos os méritos que podemos adquirir com as nossas comunhões fervorosas. Procuremos fazer boas Comunhões, lembrando-nos de quanto melhor as fizer­mos, tanto mais aliviaremos os mortos.

A Comunhão mensal pelas almas do purgatório
Sejamos práticos. Precisamos socorrer os mor­tos e santificar nossa alma.
A Sagrada Eucaristia é nosso tesouro da terra e é nossa, nosso alimento o Sacramento dos viajores, dos que peregrinamos por esta vida em demanda da eternidade. Para nosso proveito espiritual, e, em su­frágio das pobres almas, vamos comungar com mais frequência. A Comunhão mensal pelas almas não se­ria um incentivo poderoso para a nossa vida espiritual e um grande alívio para os mortos?
É celebre a sentença do Papa Alexandre VI: “Si quis pro animabus in purgatorio detentis, animo illis proficiendi, orationem fecerit, obligat eas ad antidota isve gratitudinem” — Todo o que reza, e muito mais ainda quem comunga pelas almas detidas do purgatório, com o desejo de aliviá-las as obriga à gratidão e remuneração.
A prática da Comunhão mensal pelos fiéis de­funtos é muito antiga. Em algumas regiões é muito concorrida e produz frutos maravilhosos. Começou este piedoso costume em Roma, no pontificado do Papa Paulo V, que se mostrou muito favorável a ela e ele mesmo a pôs em prática, na Cidade Eterna, com frutos surpreendentes. Era incrível como os fiéis afluíam às igrejas cada mês para sufragar seus mor­tos queridos pela Santa Comunhão. Os sucessores de Paulo V continuaram a devoção que se desenvolveu tanto a ponto de só em Roma se ver num dia trinta mil Comunhões pelas almas. A prática passou de Roma para outras cidades da Itália, depois para a França e muitos países europeus.
Ora, entre nós onde o povo é tão devoto das al­mas do purgatório, por que não se há de generalizar o dia da Comunhão mensal pelas almas? Cada Co­munidade religiosa, cada paróquia deveria ter o seu dia mensal das almas. O dia da Comunhão pelas al­mas. De preferência deveria se escolher uma segun­da-feira, quando possível. Nas paróquias talvez um dos domingos, para favorecer o povo. Ó, quem nos dera tivéssemos cada mês, um dia dos mortos, um dia para as santas almas! Missa, Comunhão geral, sufrágios e orações pelos mortos! Entretanto, se esta prática não se faz coletivamente, que nos impede fa­zê-la em particular, e estimular outros a fazerem ó mesmo? Sejamos apóstolos da Comunhão mensal pe­los defuntos. Vamos à Mesa Santa levar algum refrigério ao purgatório, pelas nossas orações e sacrifí­cios em união com Jesus Hóstia. Dizer com Jesus no coração: Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno e bri­lhe para elas a perpétua luz! Oferecer o Sangue Pre­ciosíssimo de Jesus ao Eterno Pai, para o alívio das santas almas!
Não podemos fazer tudo isto numa Comunhão? Há pessoas piedosas e compassivas que oferecem ca­da segunda-feira uma Comunhão pelas almas. É a Comunhão semanal pelos fiéis defuntos. Tanto me­lhor. De vez em quando novenas de Comunhões pe­las almas. Como fazem bem a nós e às pobres al­mas, estas práticas tão edificantes e de tão grande valor! Façamos muitas Comunhões por nossos mor­tos. Propaguemos o uso da Comunhão mensal pelas almas!

Alguns exemplos
Temos tocantes exemplos para nosso estímulo na prática da Comunhão pelos mortos. Santa Madalena de Pazzi perdera um irmão, e ela o vira no sofrimen­to do purgatório, em meio de grandes tormentos. Pôs-se a rezar e sofrer por ele.
Um dia, diz esta pobre alma sofredora à irmã: “Minha irmã, eu padeço e necessito de cento e sete Comunhões para me livrar do purgatório”. Santa Ma­dalena de Pazzi com todo fervor começou logo a sé­rie de Santas Comunhões pela libertação daquela al­ma querida e o conseguiu. Costumava a Santa ex­clamar em êxtase: “Ó Sangue precioso de Jesus Cris­to! Piedade, Senhor! Misericórdia! Livrai as almas da prisão de fogo!”. E oferecia o Sangue de Jesus pe­las almas e comungava muitas vezes por elas.
O Venerável Luís de Blois, conta que um piedo­so servo de Deus foi visitado por uma alma do pur­gatório que lhe fez conhecer os tormentos horríveis que padecia. Estava sofrendo muito por ter recebido a Santa Comunhão sem preparação devida. “Meu amigo, diz a pobre alma num gemido, eu te rogo que faças por minha alma uma Comunhão bem fervoro­sa”. O amigo piedoso assim o fez e sem demora. Esta boa Comunhão obteve o que havia pedido a pobre al­ma, que se viu livre do suplício. Apareceu cheia de gratidão a feliz alma salva. “Graças, mil graças, meu querido amigo. Vou contemplar a face de meu Deus para sempre!”.
Não podemos duvidar da eficácia da Santa Co­munhão para alívio dos mortos. Na vida de uma ser­va de Deus, Maria Luisa de Jesus[1] se conta que num dia da Festa do Corpo de Deus, na hora da San­ta Comunhão, Nosso Senhor lhe apareceu e disse: “Eis o meu corpo que eu entreguei à morte para re­missão do gênero humano e que permanece no Sacramento do Altar”. Jesus, diz a vidente, me fez re­citar nove vezes: “Louvado e agradecido seja a cada momento o Santíssimo e Diviníssimo Sacramento, e depois me disse: “Toma todas as indulgências e vai ao purgatório aliviar as almas que lá estão prisio­neiras”.

No momento da Santa Comunhão, Nosso Senhor diz à sua serva que tome uma chave simbólica, me­tade ouro e metade ferro, traduzindo pelo ouro a mi­sericórdia e pelo ferro a Justiça, e vá libertar as prisioneiras do purgatório.
Que tocante e belo simbolismo! Na hora de nos­sa Comunhão pelos fiéis defuntos, por nossas orações fervorosas e pelos méritos deste ato tão sublime, co­mo que recebemos das mãos de Nosso Senhor a cha­ve de ouro da Misericórdia e de ferro da Justiça, para podermos com ela pagarmos a dívida das pobres al­mas e abrir as portas do purgatório.
Não só a Comunhão, mas nossas adorações e vi­sitas ao Santíssimo podem aliviar muito as pobres almas. Quantas indulgências não tem a devoção eucarística! Vamos aproveitá-las pelos defuntos.

Exemplo
Santa Teresa e a alma de D. Bernardino
Na vida de Santa Teresa lemos um acontecimen­to que nos mostra como Nossa Senhora recompensa seus devotos.
Um jovem fidalgo, de nome Bernardino de Mendoza, muito devoto de Nossa Senhora do Carmo, de­sejava dar a Nossa Senhora uma prova de seu amor. Por isso ofereceu a Teresa uma casa que pos­suía perto da cidade de Valadolid para que ela insta­lasse ali um convento de Nossa Senhora do Carmo. A Santa no começo não se sentia muito disposta a aceitar o donativo para não abrir convento fora da cidade. Mas como a oferta era feita de muito boa vontade e em louvor de Nossa Senhora, não queria privar do merecimento o jovem fidalgo a quem a Virgem Santíssima de certo ajudaria a converter-se para uma vida cristã e virtuosa. Levada por esta es­perança, aceitou a doação da casa.
Cerca de dois meses depois, o fidalgo caiu gra­vemente enfermo. Perdeu a fala e não pôde confes­sar-se, mas deu sinais de arrependimento dos seus pe­cados, pouco depois faleceu. Teresa estava em ou­tra cidade distante dali. Mas Nosso Senhor apare­ceu-lhe e disse: “Minha filha, a salvação deste ho­mem correu grande risco, mas tive dele compaixão e aceitei-o com misericórdia à vista da sua devoção à minha Mãe e da homenagem que lhe prestou dando a casa para ser fundado um convento em seu louvor. Mas ele só sairá do purgatório no dia em que for ce­lebrada a primeira Missa neste novo convento”.
Desde então Teresa tinha continuamente diante dos olhos os sofrimentos desta alma e ardia em de­sejos de instalar o novo convento. Mas apesar de sua boa vontade, apareciam muitas dificuldades que re­tardavam os trabalhos da adaptação da casa e o começo da construção da nova igreja. Um dia, quando ela estava no convento de São José de Medina, Nosso Senhor lhe disse: Apressa-te, pois esta alma sofre muito. A Santa fez novos esforços e empregou toda energia para vencer os empecilhos e apressar as obras. Enfim, pôde ser lançada a primeira pedra da nova igreja e Teresa alcançou a permissão de ser celebra­da no lugar uma Missa campal.
Entretanto, não julgou que a alma do fidalgo já ficasse livre do purgatório por esta Missa, pois as palavras de Nosso Senhor tinham sido muito claras. Urgiu, pois, por todos os meios a execução rápida da construção e afinal viu-a concluída.
Durante a primeira Missa, à hora da Comunhão o sacerdote aproximou-se de Teresa e das outras Ir­mãs para dar-lhes a Sagrada Hóstia. No momento em que Teresa recebeu Nosso Senhor, ela viu a seu lado o falecido fidalgo com o rosto todo resplande­cente; cheio de alegria e de mãos postas, ele lhe agra­deceu o que tinha feito para livrá-lo do purgatório. Depois ela viu-o elevar-se ao céu.
Contando este fato em um de seus livros, Santa Teresa acrescenta: "Ó que grande importância tem toda homenagem que se presta à Mãe de Deus! Quem poderia descrever quanto ela agrada a Deus e quão grande é a misericórdia de Nosso Senhor!”.

[1] Vie — Servante de Dieu Souer Marie Louise de Jesus — Naples, 1897

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Fonte: Tenhamos Compaixão das Pobres Almas! 30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas.  Monsenhor Ascânio Brandão

11 de Novembro




O PURGATÓRIO E AS ALMAS CONSA­GRADAS A DEUS

Maior responsabilidade

Sim, todos os que se consagraram ao serviço de Nosso Senhor assumiram tremendas responsabilida­des com a consagração ou os votos que fizeram. Re­ceberam mais luzes e graças do que os simples fiéis. Foram privilegiados pela vocação, que os colocou num plano superior. Muitas graças e privilégios, sim, po­rém muitas e tremendas responsabilidades. Hão de dar contas mais severas a Nosso Senhor.
Que zelo não devem ter para conservarem a pu­reza de consciência e evitarem todo pecado, ainda o mais leve!
Santa Francisca Romana, cujas visões do pur­gatório são bem conhecidas, dizia ter visto no fundo do abismo as almas consagradas a Deus, e que pade­ciam no purgatório e abaixo, muito abaixo dos leigos. As penas, dizia ela, eram proporcionadas à dignida­de e à posição que ocupavam na Igreja.
As visões de Santa Francisca são confirmadas por muitas outras idênticas de outros santos e almas eleitas, que sempre atestam o rigor com que a divina Justiça pune no purgatório as faltas e imperfeições dos seus eleitos.
Que isto cause impressão nas almas consagradas e se lembrem que sofrimento estão preparando para depois da morte quando levam vida de tibieza e não se esforçam por corrigir defeitos que talvez julguem sem importância! Tremam os Superiores! Tremam os Prelados! Que excusa podem achar diante do Senhor o grande Juiz dos vivos e dos mortos quem recebeu com a teologia e com a ciência sagrada tantas luzes sobre a vida espiritual e viveu inundado num oceano de graças e de misericórdia? E as almas que foram entregues aos pastores e das quais hão de prestar contas ao Senhor? Compreende-se porque os Santos fugiam das prelaturas e dignidades, porque tremiam diante de uma mitra ou de um báculo pastoral.
É preciso ser muito fiel à vocação e cumprir a missão confiada com muita perfeição. A Madre Fran­cisca do Santíssimo Sacramento, uma santa religiosa carmelita de Pampeluna, teve 220 aparições de almas do purgatório. Entre estas almas viu dois Papas, Cardeais, Arcebispos e Bispos, Cônegos e Padres e muitos religiosos e religiosas. Nestas revelações, os dignitários eclesiásticos lamentavam dolorosa e ter­rivelmente terem desejado e procurado dignidades na Igreja. E muitos sofriam por negligências no ser­viço de Deus. — Ó Francisca, gemia uma alma sacer­dotal, um Bispo! Um Bispo! Meu Deus! Antes eu nunca o tivesse sido... Que responsabilidade! Outra se lamentava: “Os homens pensam que basta ser pa­dre. É um estado que exige uma grande pureza de vida! Francisca, eu apenas me salvei!” (Le Purga­toire — Louvet).
Devemos rezar com muito fervor e oferecer mais sufrágios pelas almas consagradas a Deus. Elas da­rão contas mais severas a Nosso Senhor e terão um purgatório mais longo e doloroso. Não canonizemos muito depressa sacerdotes e religiosos logo após a morte. O purgatório das almas consagradas a Deus é terrível, dizia uma vidente. Por quê? Porque tive­ram mais facilidade e muitos meios para evitar e abre­viar o seu purgatório, e não os souberam aproveitar.

Quem mais recebeu...
Quem de Deus recebeu mais graças, há de dar contas das graças com mais rigor. Os ignorantes, os simples, os que não receberam tantos favores e pri­vilégios do céu, naturalmente terão que dar a Deus menos contas dos seus pecados e serão julgados com menos severidade. Que não será o juízo de um sa­cerdote, de uma religiosa, almas estas cercadas de luzes e enriquecidas de uma multidão de graças?! Eis porque mais terrível há de ser o purgatório dos sacerdotes e das almas consagradas a Deus, bem co­mo das pessoas que possuem mais conhecimento e re­ceberam mais graças de Nosso Senhor nesta vida. Não nos lembramos da parábola dos talentos? Santa Francisca Romana teve muitas visões admiráveis, e Nosso Senhor a fez descer em espírito ao purgatório.
Viu ela sacerdotes e religiosas muito abaixo dos leigos, em sofrimentos horríveis e padecen­do muito mais do que leigos que haviam cometido faltas bem graves e alcançaram o perdão na hora da morte. Foi revelado à Santa que padeciam mais por­que neste mundo receberam muito mais graças, ocupa­va um lugar muito alto no sacerdócio e a consagração ao serviço de Deus.
— Minha filha, dizia uma alma do purgatório a uma religiosa, segundo conta Mons. Louvet, minha filha, seja bem santa, porque o purgatório dos sacer­dotes e das religiosas é terrível!
No dia primeiro do ano, Santa Margarida Maria rezava por três pessoas recentemente falecidas. Duas religiosas e um secular. Nosso Senhor lhe apresentou as três almas, dizendo-lhe: Qual das três queres sal­var primeiro, filha?
— Senhor, escolhei Vós mesmo, segundo o que for para vossa maior glória.
Então Nosso Senhor escolheu a pessoa secular, dizendo que as religiosas tiveram nesta vida muito mais graças e meios para expiar os pecados pela ob­servância da Regra, e que o secular não havia rece­bido tantos privilégios e favores...
Os ignorantes, os pobrezinhos, os humildes cheios de boa vontade e que não receberam de Deus tantas graças e meios de se santificar como as almas con­sagradas a Deus, terão naturalmente muita excusa no Tribunal divino e bem aliviado lhes será o purga­tório pela divina misericórdia.
Os religiosos meditem como em diversas apari­ções particulares Nosso Senhor revela quanto pune na outra vida a falta de observância da Santa Regra e como esta Santa Regra facilita a expiação da pena temporal neste mundo e abrevia, senão livra a alma consagrada do purgatório.
A observância regular é um meio poderoso de santificação, uma grande penitência que enche a al­ma de méritos. Por um pouco de sacrifício de quan­tas penas não se livram na outra vida os religiosos fiéis à santa Regra. E como devem tremer as almas consagradas ao pensarem nas contas mais rigoro­sas que hão de dar a Deus pelo número tão grande de graças escolhidas que receberam e às quais talvez não tenham correspondido.

Até os Santos...
Para entrar no céu é mister uma pureza angéli­ca, uma alma bem purificada e sem a menor mancha de imperfeição. Eis porque até santos, homens de gran­de virtude passaram pelas chamas expiadoras do pur­gatório, segundo diversas revelações particulares. O Venerável Pe. Cláudio de La Colombière, diretor es­piritual de Santa Margarida Maria e um homem de extraordinária virtude, chamado por Nosso Senhor amigo e fiel servo, segundo foi revelado à Santa sua dirigida, passou pelo purgatório. Morreu ele em Paray le Monial em 15 de Fevereiro de 1682, às cinco horas da manhã. Uma jovem veio trazer a notícia à Santa: rezai por ele e mandai rezar por sua alma! Pouco depois do enterro, recebeu a Santa outro re­cado misterioso: deixai de rezar por ele, porque agora ele é quem rezará por vós.
Algum tempo depois, a Superiora do Mosteiro notou que Margarida não rezava nem pedia mais ora­ções pelo seu Diretor espiritual e perguntou-lhe a causa.
— Minha Madre, o Pe. La Colombière não está mais em condições de receber nossos sufrágios. Ago­ra é ele quem reza e pede por nós. Está no céu. Gra­ças à misericórdia do Sagrado Coração de Jesus, ocupa um belo lugar no céu. Apenas para expiar algumas pequenas negligências no exercício do amor divino, passou ele pelo purgatório e esteve privado da Visão Divina até o momento de ser sepultado.
Eis um grande servo de Deus privado do céu por algumas longas horas de um dia.
Santa Lutgarda viu o grande e virtuoso Papa que foi Inocêncio III, nas chamas do purgatório.
— Quem és? Pergunta a Santa a uma aparição que sofria muito.
— Sou o Papa Inocêncio III.
Meu Deus! Um Papa tão santo no purga­tório?!...
— Sim, expio minhas faltas. Pela misericórdia de Maria fui salvo, mas ainda me falta uma longa expiação. Tenha pena de mim! Tenha pena de mim!
São Roberto Belarmino, no seu livro De Gemitu Columbae — Livro III, cap. IX — refere-se a esta aparição, concluindo: Qual será o prelado, o homem de responsabilidade que não trema diante disto? Quem não há de escrutar bem seu coração e procurar evi­tar as menores faltas?
Até os Santos passaram e passam pelo purga­tório. Como é necessário ser angélico e muito santo para entrar no céu!
Viram-se homens de uma grande virtude, santos, que passaram no purgatório, segundo o testemunho de revelações particulares, como as de Santa Brígi­da, Santa Teresa, Santa Margarida Maria e outras.
Quanta delicadeza de consciência não é preciso a um sacerdote para oferecer cada dia o Santo Sa­crifício da Missa e desempenhar a missão divina do seu ministério. Que purgatório terrível o do sacer­dote tíbio! Que purgatório terrível também o das re­ligiosas e religiosos que tão facilmente transgridem a Regra!

Exemplo
O purgatório e a Ordem Seráfica
A prática do sufrágio às almas é uma tradição da Ordem Seráfica! À grande penitente Santa Mar­garida de Cortona disse Nosso Senhor numa revela­ção: Recomenda da minha parte aos meus irmãos menores que se lembrem muito das almas do purga­tório, porque o seu número é incalculável, e quase ninguém reza por elas. Dize-lhes também da minha parte que não se imiscuam nas coisas do mundo e le­vem uma vida de pobreza e de recolhimento para que não sejam severamente castigados na outra vida.
Que lições para a nossa alma! E para consolo nosso, meditemos este exemplo que nos trás a Auréo­la Seráfica:
Uma crônica manuscrita do século XIII narra isto: “Um nosso irmão da Província da Saxônia vol­tava para o convento após uma pregação, quando lhe anunciaram que haviam falecido dois religiosos: o Padre Guardião e o Padre Vigário. Eis o que sucedeu. Na seguinte noite o padre estava em oração, quando vê entrarem na cela os dois defuntos cheios de esplendores e de uma beleza incomparável. Trê­mulo de emoção, pergunta-lhes:
— Como vos achais?
— Salvos pela misericórdia de Deus, — respon­dem os bem-aventurados — e gozamos da visão bea­tífica.
— Não passastes pelo fogo do purgatório?
— Não, porque fizemos nosso purgatório no fo­go da pobreza e Deus a aceitou em expiação. Fiquem todos sabendo que nenhum de nossos irmãos irá para o purgatório se observar fielmente a Regra de São Francisco e a santa pobreza, porque o crisol da pobre­za purifica tudo”.
Unde noveris quod nullus, servans Regulam Bea­ti Francisci et sanctam paupertatem ejus, purgato­rii poenas sustinet quia per caminum paupertatis om­nia purgantur.
O Terceiro Franciscano aí no século, trazendo oculto sob as vestes do mundo o hábito do Pai Se­ráfico, fiel à Regra, não tem uma garantia segura do céu?
A santa Regra das Ordens e Congregações re­ligiosas e das Ordens Terceiras, é sempre uma garan­tia de salvação, e ou livra ou alivia muito o purgató­rio a sua observância.

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Fonte:









10 de Novembro. O que leva ao purgatório


O QUE LEVA AO PURGATÓRIO

Tibieza e pecado venial
  
A grande porta aberta para os tormentos do pur­gatório quando pela misericórdia não se precipitam muitas almas no pecado grave e no inferno, é a ti­bieza e o seu sintoma certo o pecado venial. Meditemos um pouco o mal da tibieza para vermos como é arriscado viver assim, sem procurar uma vida fer­vorosa, arriscando a própria salvação e preparando um horrível purgatório depois da morte. Vejamos o que é a tibieza:
A tibieza define-a Santo Afonso pelo que a caracteriza: o pecado venial.
A tibieza, diz o Santo Doutor, é o hábito do peca­do venial plenamente voluntário. “A tibieza é o há­bito não combatido do pecado venial, ainda que seja um só. É um hábito fundado num cálculo implícito:
— Esta falta não ofenderá a Nosso Senhor gravemente, não me há de condenar. Pois vou cometê-la.
É um hábito dificílimo de se desarraigar da al­ma. E um hábito muito espalhado, sobretudo entre as pessoas que fazem profissão de piedade e entre as almas consagradas a Deus”.
É uma doença espiritual e das mais graves e pe­rigosas. É o verme roedor da piedade. Micróbio ter­rível! Mina o organismo espiritual, sem que o enfer­mo o perceba. Enfraquece a pobre alma. Amortece as energias da vontade. Inspira horror ao esforço. Afrouxa a vida cristã. Espécie de langor ou torpor, diz Tanquerey, que não é ainda a morte, mas que a ela conduz sem se dar por isso, enfraquecendo gradualmente as nossas forças morais. Pode-se compa­rá-la a estas doenças que definham, como a tísica, e consomem pouco a pouco algum dos órgãos vitais. É uma sonolência, um sistema de acomodações na vida espiritual.

O pecado venial
Há muitos sinais de tibieza, mas o que a caracteriza é o pecado venial deliberado e habitual. Vejamos a malícia do pecado venial, que é tão castigado no pur­gatório e que é causa de tantos suplícios das pobres almas:
Embora em grau inferior, o pecado venial ofe­rece, todavia, as mesmas características de malícia que o pecado mortal.
A rainha Maria Teresa, de França, esposa de Luiz XIV, chorava uma falta venial. A delicada cons­ciência da princesa a deixava inconsolável.
— Como? — Disseram-lhe — tanta lágrima por uma falta leve, um pecado venial?!
— Sim, pode ser venial, mas é mortal para o meu coração!
Tudo quanto ofende a Nosso Senhor nunca é leve ou coisa de somenos importância para uma alma fer­vorosa. E o pecado venial é uma ofensa a Deus. Há nele três circunstâncias agravantes:
1.ª) Uma injuria à Majestade Divina.
2.ª) Revolta contra a Autoridade de Deus.
3.ª) Ingratidão à Bondade Eterna.
Quem comete facilmente o pecado venial, dificil­mente escapará dos pecados mortais, afirmam expe­rimentados mestres da vida espiritual.
“Por um justo castigo de Deus, diz Santo Isidoro, os que fazem pouco caso dos pecados veniais, das faltas leves, vêm a cair um dia nos maiores pecados”.
Santo Agostinho tem uma frase que deve me­recer de nós sérias reflexões. O pecado mortal é, se­gundo ele, uma montanha que esmaga, que mata, e os pecados veniais, grãos de areia. Acontece, porém, que o desprezo das faltas leves faz com que a alma venha a perecer como estes infelizes, que morrem su­focados sob um montão de areia. É verdade que só o pecado mortal dá morte à alma, e os pecados ve­niais, por mais numerosos que sejam, não nos podem tirar a graça santificante. Mas, diz São Gregório, o hábito dos pecados veniais tira aos nossos olhos a malícia do pecado grave, e em breve não receamos passar das faltas mais leves aos maiores pecados.

Consequência e castigos da tibieza

A tibieza prepara a impenitência final. — Será possível? Dirá alguém. Sim, a experiência o tem pro­vado mil vezes. Tibieza é o abuso da graça, e o abu­so da graça teve quase sempre, como consequência última, a impenitência final.
Deus non irridetur! — Com Deus não se brinca!
Conheceis a palavra de São Paulo?
A terra que bebe muitas vezes as águas da chu­va e que só produz cardos e espinhos, está reprovada e próxima da maldição. Será entregue ao fogo e reduzida a cinzas (Hb. 6, 7). Deus nos chama, bate, bate mil vezes à porta do coração. É desprezado.
Ai! Um dia o candelabro da graça com todas as suas luzes será transportado para outro lugar: Eu mudarei teu candelabro (Ap. 2, 5). E ai! Meu Deus! Pobre alma! O abismo da impenitência final a espe­ra. E ela sorri, presunçosa, dorme tranquila na inconsciência, na cegueira do seu lamentável estado!
Quando pela misericórdia divina uma pobre alma não chega pela tibieza ao abismo do pecado grave e à condenação, prepara para si um terrível purgató­rio. Um pecado venial é punido severamente nas cha­mas expiadoras. E quanto mais luzes e graças rece­beu neste mundo uma alma, tanto há de pagar até ao último ceitil. As revelações particulares nos mostram almas padecendo no purgatório até séculos por um pecado venial!
Não abusemos da graça. Não digamos: é um pe­cado venial, não tem importância... Se soubéssemos e meditássemos melhor o que é o purgatório, não se­riamos tão levianos e insensatos para viver na tibieza e cometer o pecado com tanta facilidade!

Exemplo

O noviço capuchinho revela o sofrimento do purgatório
Os Anais dos Capuchinhos, Tomo III, e Rossingnoli nas suas Maravilhas das Almas do Purga­tório, 56.°, contam este fato impressionante:
Num convento capuchinho, em 1618, um noviço muito fervoroso caiu enfermo e em poucos dias ex­pirou. O Padre Guardião estava ausente e não pode lhe dar a última absolvição o que o penalizou mui­to e por isto multiplicou as orações e sufrágios pela alma do seu filho espiritual. Rezava pelo noviço de­pois de Matinas, no coro, quando a alma deste lhe aparece cercada de chamas: “Ai! Meu Padre, não pu­de receber a vossa absolvição e havia cometido uma falta leve e por ela sofro horrorosamente no purgatório. Venho pedir a vossa bênção e uma penitência e ficarei livre.
— Meu filho, responde o Padre Guardião tremendo, eu te abençoo quanto posso e por penitência ficarás no purgatório até à hora da Prima somente.
Faltavam duas horas para que os frades recitas­sem o Ofício. O Padre julgou uma leve penitência esta espera de duas horas no purgatório. Apenas ou­viu isto, a alma do noviço soltou um gemido doloroso de arrepiar e desapareceu, dizendo: Ah! Pai sem co­ração! Pai que não tem dó de um filho que padece tanto! Ó, não sabe que é sofrer no purgatório!
O Padre Guardião sentiu arrepiarem-se os ca­belos, e trêmulo e pálido, compreendeu neste momen­to o que é o sofrimento do purgatório, onde cada mi­nuto parece um século. Tocou logo o sino, reuniu a comunidade e mandou que se rezasse o Ofício imedia­tamente pela alma do noviço falecido, contando a ter­rível aparição. Fez a todos um sermão sobre o pur­gatório e a eternidade, repetindo as palavras de San­to Anselmo: Depois da morte a menor das penas que nos esperam é maior do que tudo que se possa padecer neste mundo. As menores faltas são punidas seve­ramente.


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Fonte: 
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas
por Monsenhor Ascânio Brandão, Casa da U.P.C. Pouso Alegre



9 de Novembro.


OS ESQUECIDOS
Como são esquecidos os mortos!
 
Santo Agostinho se queixava de que os mortos são muito esquecidos. Realmente. Vai-se logo a memória dos defuntos com os últimos dobres do sino e as derradeiras flores lançadas sobre a sepultura. Quando morremos, partimos para aquela região que a Escritura chama terra oblivionis — a terra do esquecimento. Não tenhamos muita vaidade nem ilusões. Seremos esquecidos!
Quem se lembrará de nós alguns anos após a nos­sa morte? Talvez uma lembrança vaga, uma evocação de saudade muito apagada. E como somos orgulhosos hoje! Tanto nos fere a mágoa um esquecimento mesmo involuntário! Felizes os que se desiludem e se desapegam das amizades e vanglorias da terra antes que chegue a Mestra e Doutora da Vida — a Morte!
Como se compadecem todos dos enfermos! Que carinho e solicitude e mil sacrifícios em torno do leito de um pobre doente que geme! Porém, veio a morte. Pranto, homenagens sentidas, flores, túmulos, necrológios, e... esquecimento. Hoje afastam a idéia da morte como se fôssemos todos imortais. É mister esquecer os defuntos, deixá-los no túmulo, evitar esta preocupação doentia da morte e da eternidade.
Morreu, acabou-se! Vamos rir, vamos dançar e cantar. Deixemos que a vida corra alegre e feliz. Não pensemos mais na morte e muito menos em mor­tos. Não é assim que fala e age o mundo louco e materialista de hoje?
Ai! Como são esquecidos os mortos! O materialismo estúpido não compreende nem a beleza, nem a consolação, e o culto da memória dos mortos como o tem a Igreja católica. Para nós, eles não morreram, mudou-se-lhes a condição da vida: Vita mutatur, non tollitur!
Na sepultura não se acaba para sempre o homem. Cremos no que dizemos cada dia no Credo:
Eu creio na ressurreição da carne e creio na vida eterna.
A piedade para com os mortos é um ato de fé na vida eterna, urna doce certeza de que nossos mortos queridos não estão perdidos para sempre ao nosso amor. Havemos de os encontrar um dia no seio de Deus! Como é doce, consolador e belo crer na imortalidade e esperar a vida eterna!
Pois se cremos na vida eterna, cremos no purga­tório. E se cremos no purgatório, oremos pelos nossos mortos.
Requiem aeternam dona eis Domine! — Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno!
Não sabemos então que é nosso próprio interesse orar pelos mortos?
Um dia também iremos para a eternidade e nas chamas do purgatório acharemos tudo quanto tiver­mos feito na terra pelos mortos. Vamos, pois, neste mês dos defuntos: Missas, Rosários, esmolas, penitencia, orações fervorosas pelos nossos mortos queridos!
Como são esquecidos os mortos! Exclamava Santo Agostinho! E, no entanto, acrescenta São Francisco de Sales, em vida eles nos amavam tanto e (quem sabe?) estão no purgatório por nossa causa...
Nos funerais, lágrimas, soluços e flores. Depois, um túmulo e o esquecimento... Como são esquecidos os mortos!
Tende compaixão de mim!
Tende compaixão de mim!
Miseremini mei! Miseremini mei!

Tal é o gemido do purgatório, o gemido das pobres almas esquecidas.
A Igreja, Mãe carinhosa, nunca se esquece dos seus filhos, mesmo depois que partiram para as re­giões da morte e da eternidade. Todos os dias, no altar, ela suplica: — Memento!
Lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas que nos precederam com o sinal da fé e agora descansam em paz. A estes e a todos os mais que repousam em Cristo, nós vos pedimos, Senhor, concedei lugar de refrigério, luz e paz.
Que tocante lembrança da Santa Igreja, nossa Mãe! E em todas as Missas que se celebram em todo universo!

Porque são esquecidas
Sufraguemos nossos mortos. Não os deixemos esquecidos sob qualquer pretexto comodista e de gente sem fé. O purgatório é terrível e para algumas almas é bem longo. Devemos ter compaixão e carinho por nossos entes queridos que a morte arrebatou.
Ao céu chegam as almas só depois de longas e dolorosas purificações. Não digamos de cada um que morre: — Está no céu!
Temos o costume de logo canonizar nossos mor­tos, dizendo: — Estão no céu! E nem mais rezamos por eles, deixando-os esquecidos no purgatório. É uma ingratidão bem comum. No céu entram as pobres almas só depois de longas e dolorosas purificações. E quem sai desta vida tão santo e perfeito que não mereça o purgatório? Nunca deixemos de orar e muito e por longo tempo pelas almas de nossos mortos queridos.
Há pobres almas destinadas a um longo sofrimento nas chamas expiadoras. Só Deus sabe o que elas padecem, enquanto seus parentes nem rezam, nem mandam oferecer por elas a santa Missa, e repetem tranquilos: — Está no céu!
Disto teve receio Frederico Ozanam, o piedoso apóstolo das Conferências Vicentinas. Lemos no seu testamento: — “Não vos deixeis levar por aqueles que disserem: ‘Ele está no céu!’. Rezai sempre por aquele que muito vos ama, mas que também pecou muito. Ajudado pelas vossas orações, deixarei a terra com menos receio”.
Não nos iludamos com o purgatório. Seus sofrimentos são muito grandes e é mister uma grande compaixão, uma grande misericórdia para com os mortos. Ai! Esquecer os mortos sem sufrágios é doloroso, é de consequências tristes! Oremos pelas benditas almas.
Vamos em socorro dos nossos pobres irmãos da Igreja padecente.
Vamos, levantai-vos, dizia São Bernardo, voai em socorro das almas dos defuntos, implorai a clemência divina pelas vossas lágrimas e gemidos, intercedei por eles com as vossas preces, satisfazei por elas com o santo sacrifício da Missa, resgatai-as por vossas esmolas aos pobres, por vossas boas obras, abri-lhes as portas do paraíso.
Combatamos estas duas causas do esquecimento dos mortos: — a presunção que diz: — Estão no céu, e comodamente não nos interessamos em sufragá-los mais, e, falta de uma fé bem viva no que seja o tormento do purgatório.
 
Deveres sagrados e esquecidos
Sim, bem sagrados e graves são nossos deveres para com os mortos. Temos obrigação de justiça e de caridade em sufragar os defuntos. Não bastam lágrimas, flores, coroas, homenagens póstumas. Tudo isto é mais consolo para os vivos que alívio para os mortos, dizia Santo Agostinho.
Devemos, pois socorrer os defuntos:
1° — Em razão do parentesco e do sangue.
2° — Por gratidão, aos benfeitores nossos.
3° — Por justiça.
4° — Por caridade.
Próximos mais próximos de nós, dizia São Francisco de Sales, naturalmente são nossos pais. Não nos esqueçamos da alma de um pai querido, de uma saudosa mãe. Foram tão carinhosos e se sacrificaram por nós! Não estarão talvez no purgatório? Nosso amor filial os canonizou logo depois da morte e os colocou no céu! Ah! E talvez gemam e sofram no purgatório. Estão salvos, é verdade, no seio de Deus, entre as santas almas, porém... são terríveis os sofrimentos do purgatório
Santa Monica teve o cuidado de recomendar a Santo Agostinho: — Meu filho, não me esqueças no santo altar!
A Igreja tem uma oração especial nas missas de defuntos pelo pai e mãe do sacerdote e que cada fiel pode repetir:
“Ó Deus, que nos ordenastes que honrássemos o nosso pai e nossa mãe, tende piedade, pela vossa cle­mência, das almas de meu pai e de minha mãe, e perdoai-lhes os seus pecados. Permiti também que eu possa um dia tornar a encontrá-los”.
Que tocante oração!
Depois a gratidão.
Há de ser penoso e horrendo o esquecimento dos nossos nas chamas do purgatório!
Não sejamos ingratos. Oremos por todos quan­tos nos fizeram algum benefício na terra. A grati­dão não pode morrer à beira da sepultura de nosso benfeitor. Vai além, corre em auxílio das almas do purgatório!
E, finalmente, deveres de justiça e de caridade. De justiça porque somos obrigados a orar por aqueles aos quais estamos ligados por laços de parentesco e de gratidão. E... caridade. “Não há, diz São Francisco de Sales, maior ato de caridade que orar pelos mortos. É um resumo de todas as obras de ca­ridade”.
Lembremo-nos das pobres almas sofredoras do purgatório. Não temos criaturas que tanto amamos na terra e que hoje nos ferem o coração por uma sau­dade amarga?
Ah! Não bastam as lágrimas e as flores da sepultura. Isto é mais consolo para os vivos. O que aproveita aos mortos é o sufrágio. Santifiquemos nossa saudade pela caridade. Lembremo-nos que talvez gemam no purgatório os que tanto amamos! Por eles mandemos celebrar o santo sacrifício da Missa, façamos algum ato de caridade aos pobres, uma Comunhão, um Rosário de Maria!

Exemplo
O Santo Cura D’Ars e o purgatório
O Santo Cura d’Ars, São João Batista Vianney, era um devoto fervoroso das santas almas do purgatório... Pedira a Deus a graça de sofrer muito. Os sofrimentos do dia, oferecia-os pela conversão dos pe­cadores, e os da noite, pelas almas do purgatório.
E como sofreu! Que noites terríveis de agonias e aflições e tentações espantosas do diabo não passa­ra o Santo durante os longos anos da paróquia de Ars!
A um padre que lhe perguntara a opinião sobre o poder das almas do purgatório em nosso favor, respondeu:
“Si soubéssemos como é grande o poder das boas almas do purgatório sobre o Coração de Jesus e si soubéssemos também quantas graças poderíamos ob­ter por intercessão delas, é certo, não seriam tão esquecidas”.
Nos seus catecismos célebres o Santo narrava tocantes e belos exemplos sobre a eficácia e o poder da devoção às santas almas do purgatório. Nosso Se­nhor lhe concedeu extraordinárias graças para conhecer muitas vezes os mistérios do purgatório.
No processo da Canonização atestaram os que o conheceram:
— A devoção às almas do purgatório foi uma das suas mais fervorosas. Se havia duas Missas a celebrar, uma pelos doentes, outra pelas almas, prefe­ria a das almas.
Muitas vezes lhe pediam orações por uma ou outra alma e o santo respondia:
— Sim, rezarei por ela. Está no purgatório por um tempo indeterminado...
Ou então: — Ela já foi para o céu! Não tem necessidade mais de sufrágio.
Diz o ilustrado Mons. Trochu, autor de “Les in­tuitions du Curé d'Ars, que “o purgatório é um lugar onde o Cura d’Ars sabia o que se passava. Conhecia ele a sorte dos defuntos, teve intuições muito grandes do que se passa além-túmulo”.
Uma senhora foi se confessar ao Santo, em Ars. Depois da confissão, disse-lhe ele: — “Minha filha, agradeça à prima que a trouxe ao confessionário, porque sem isto a senhora estaria no inferno”. E depois de lhe indicar as causas do perigo da condenação, lhe disse muito grave: e depois, minha filha, que ingratidão! Há dez anos que seu pobre pai está sofrendo no purgatório e não mandaram dizer uma só Missa para o libertar!”.
Uma senhora piedosa tinha um esposo indife­rente em religião, mas não obstante homem bom e honesto. Um dia, vítima de um colapso cardíaco, veio a falecer se nenhum sinal de arrependimento. A pobre esposa, desolada, não tinha consolo. Julgava per­dida a alma do esposo. Assim ficou num horrível martírio e sem consolo durante meses. Foi até Ars. O Santo, ao vê-la, foi logo dizendo: — “Minha senhora, já se esqueceu dos ramalhetes de flores que ofereciam à Santíssima Virgem?” A pobre senhora lembrou-se de que realmente ela o e esposo durante muito tempo sempre ofereciam a uma imagem da Virgem uns ramalhetes de flores.
— Minha filha, Deus teve piedade daquele que honrava tanto a sua Mãe. No momento da morte seu marido teve um grande arrependimento. Sua alma está no purgatório. Com orações e boas obras poderá libertá-lo.
Foi um alívio para o coração da pobre viúva, que melhorou de saúde e adquiriu a paz da alma.

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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre