28 de Novembro: Como evitar o purgatório?



COMO EVITAR O PURGATÓRIO?
Pode-se evitar o purgatório?

Há em geral entre muitos a idéia de que é im­possível entrar no céu logo depois da morte, princi­palmente quando se pensa na Justiça de Deus, na San­tidade Divina e a miséria humana. O purgatório não é sempre inevitável. Pode-se evitar o purgatório e é vontade de Deus que façamos tudo neste mundo para merecer logo o céu. É impossível! É dificílimo!... Sim, difícil, não há dúvida, mas impossível, nunca! Não digamos como tantos: contanto que eu arranje um lugar no purgatório... Por humildade, e em ver­dade, podemos falar assim, mas por covardia e para afrouxarmos no trabalho da nossa perfeição, nunca o podemos dizer, nem proceder assim. Havemos de fazer tudo para evitar o purgatório. “Aqui, disse Santa Catarina de Genova, pagamos com um, a dívi­da de mil, e na outra vida precisamos de mil para pa­gar um... Está em nossas mãos ganhar muito e pre­parar a entrada do céu logo depois da morte”.
Santa Teresa viu almas entrarem no céu sem terem passado pelo purgatório. Procurar evitar o purgatório é o melhor meio de se livrar dele. Evite­mos o pecado venial, sejamos fiéis ao nosso dever, tenhamos uma grande pureza de intenção em nossos atos. Façamos muitas obras de caridade, fujamos de toda vaidade e hipocrisia em nossas ações, sejamos sinceros, humildes, simples, tenhamos paciência em nossos sofrimentos, sejamos resignados à vontade de Deus em todas as coisas. Quantos meios ao nosso alcance para evitarmos o purgatório! Zelemos a pu­reza de consciência e a pureza de intenção. Não é im­possível escapar do purgatório. Está em nossas mãos. Uma alma fervorosa se abrasa neste mundo nas cha­mas do Divino Amor que purifica cada dia mais e se santifica de tal modo, que logo se lhes abram as por­tas do céu.
Fazer esforços para evitar o purgatório não é, como dizem alguns, uma covardia. É glorificar a Deus, é estimular a nossa perfeição, é corresponder à graça com generosidade, enfim, é um dos meios mais poderosos e eficazes de santificação. Temos mui­ta miséria e fraqueza. Vivamos num estado de compunção, contritos e humildes. Não tenhamos a pre­sunção que perde tantas almas e as leva a esperar o céu com tão pouco sacrifício!
Enquanto estamos neste mundo, somos os milio­nários da graça e dos tesouros da Redenção. Somos mais felizes do que os Santos do céu e as almas do purgatório. Eles não podem mais merecer, nem tra­balhar para a salvação e para a glória do céu, como nós agora. Então, por que não aproveitarmos estas riquezas de valor infinito? Um dos maiores tormentos das pobres almas é o remorso. Que verme roedor! Pensarem elas que poderiam ter sofrido tão pouco e trabalhado um pouco mais, e já estariam no céu e te­riam salvo tantas almas e feito tanto bem quando estavam neste mundo, e desperdiçaram os tesouros do Sangue Precioso de Jesus e agora padecem tanto! Poderiam ter evitado o purgatório... E nós?

Meios de evitar o purgatório
O primeiro e o único verdadeiro é evitar o peca­do venial e toda imperfeição, exceto aquelas quase im­possíveis à fragilidade humana. Sem privilégio es­pecial não é possível ao homem evitar todas as fal­tas, diz o Concilio de Trento. Pelo menos, lutemos e tenhamos boa vontade. Tenhamos horror ao pecado, mesmo venial. Demos muita importância ao que é de perfeição, sobretudo os Religiosos à observância da Santa Regra. Há outros meios de evitar o purgató­rio. Entre eles, os meios sacramentais — o Batismo. Uma alma recém batizada que morre está livre de to­da pena, tem o céu imediatamente. Felizes as crian­cinhas inocentes e felizes, os que morreram com a ino­cência batismal!
A confissão frequente, bem praticada, com sin­cero arrependimento, com emenda de vida cada dia mais, é um meio poderoso de vigilância, de combate às faltas e imperfeições. Uma confissão semanal ou de quinze em quinze dias para lucrar as indulgências, e confissão sem rotina, bem preparada, bem contri­ta, como purifica a alma e vai fazendo seu purgató­rio nesta vida! Como é poderosa a absolvição que nos dá o sacerdote; e a penitência sacramental, embora tão pequena, tem muito valor para a remissão da pe­na temporal.
E a Eucaristia? Não apaga o pecado venial e nos purifica cada vez mais, dando-nos força para a luta? Ó, as almas eucarísticas, unidas ao Se­nhor na intimidade do seu Amor, abrasadas nas cha­mas deste Amor, podem temer as chamas do purga­tório? Purifiquem-se muito bem para a Comunhão aqui na terra, que estarão se purificando para a Visão eterna do céu logo após a morte. Uma alma verdadeiramente eucarística não teme o purgatório. De­pois, temos a riqueza da Extrema Unção e da Bênção apostólica na hora da morte. Falaremos depois destes meios, chaves do céu e libertadores do purgatório. E demais, os religiosos, por exemplo, têm os méri­tos da vida comum, as indulgências da Ordem ou Ins­tituto religioso, as penitências, as meditações, as boas leituras, enfim a multidão dos recursos espirituais que bem aproveitados, escrupulosamente, cada dia, sem ser mister que se entreguem a coisas extraordi­nárias e difíceis e até impossíveis, quantos meios para evitarem o purgatório com a simples fidelidade à Regra! A perfeita observância, como diz São Ber­nardo, pode levar da cela para o céu. “De cella ad coelum”.
Evitarão o purgatório as almas simples e ino­centes, aqueles pobrezinhos ignorantes que sempre viveram numa profunda humildade a servirem a Deus na simplicidade do seu coração. Quantos destes pe­queninos amados de Nosso Senhor após os sofrimen­tos desta vida não passam diretamente para o céu!
Enfim, é o segredo de Deus, o mistério insondável. E a caridade? Não nos foi prometido cem por um e o reino do céu pelas boas obras de misericórdia? Quem pode duvidar que uma alma caridosa que pas­sou a vida a fazer o bem aos pobres e desgraçados, não tenha o céu logo após a morte? Ó, sim, podemos evitar o purgatório, e direi mais, devemos evitar o purgatório. Esta é a vontade de Deus!

A Extrema Unção e indulgência apostólica
A Extrema Unção tem o poder de nos abrir logo as portas do céu. É a opinião do angélico Santo To­más: “A Extrema Unção acaba a cura espiritual do homem e faz desaparecer de sua alma tudo quanto poderia impedi-lo de entrar na glória e consuma sua preparação para a vida eterna”.
Supõe naturalmente que o enfermo a receba com as devidas disposições. A Extrema Unção é como que o complemento da penitência. Esta redime os pe­cados e aquela faz desaparecer os restos do pecado. Um dos efeitos da Extrema Unção é fortificar a al­ma contra o temor exagerado da morte e ajudá-la a se conformar inteiramente à vontade de Deus. Só este ato de conformidade, diz Santo Afonso, pode le­var uma alma logo para o céu sem passar pelo pur­gatório, porque é um ato de caridade de grande va­lor. Enfim, que tesouro desconhecido é a Extrema Unção, e tantos deixam de a receber na hora extrema porque os parentes e amigos, com receio de assustar o enfermo, o privam deste recurso! Na sua Teologia moral, Santo Afonso conta esta visão: Percebeu no purgatório a alma de um homem seu conhecido e foi-lhe revelado que este homem não teria morrido da doença que o levou a sepultura, se tivesse recebido a Extrema Unção. A virtude do Sacramento o teria curado e teria se livrado de um purgatório tão doloroso e menos longo do que o que estava padecendo [1].
Por que então deixar os enfermos sem a Extre­ma Unção, sob o pretexto de que é o sacramento que mata, apressa a morte e assusta o enfermo? Um dos efeitos do Sacramento é curar também o corpo, e o maior de todos, curar a alma de todos os males e consequências do pecado, e abrir-lhes as portas do céu. A Igreja, nossa Mãe, tem outro tesouro à nossa dis­posição na hora derradeira: é a Indulgência plenária ou apostólica. Esta indulgência nos pode abrir logo o céu. Vejam as preces do sacerdote ao dá-la aos en­fermos: “Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus Vivo, que deu ao Bem-aventurado Apóstolo Pedro o poder de ligar e desligar, pela sua piíssima misericór­dia, receba a tua confissão e te restitua a estola pri­meira que recebeste no Batismo. E eu, pela faculda­de que me foi dada pela Sé Apostólica te concedo a indulgência plenária e a remissão de todos os peca­dos em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo”.
Que beleza! A inocência do Batismo restituída a um pecador na hora da morte! Não é a porta do céu? E o sacerdote acrescenta, para confirmar a absolvi­ção: “Pela Sacrossanta Humanidade e pelos misté­rios da reparação humana, o Deus Onipotente te per­doe todas as penas desta e da futura vida, te abra as portas do paraíso e te leve à felicidade eterna”.
Haverá maior riqueza para um cristão? Até as penas da outra vida, isto é, as do purgatório estão remidas pela indulgência plenária. Meditemos bem as orações e o rito da Extrema Unção, procuremos nos preparar sempre para recebermos na hora derradeira com as devidas disposições a Indulgência plenária ou Apostólica.
Eis aí quantos meios de evitar o purgatório à nossa disposição! Não é pois verdade que podemos nos livrar do purgatório?

Exemplo
As Irmãs auxiliadoras do purgatório
Em 21 de Novembro de 1855 uma jovem piedo­sa lia num opúsculo, “O Mês do Purgatório”, por um autor desconhecido, esta página profética e suplicante:
“Ó Espírito Santo, vós suscitastes, em épocas di­ferentes, ordens religiosas de toda espécie para todas as necessidades da Igreja militante. Ó Pai das Luzes, cheios de compaixão e de zelo pelos mortos, nós vos suplicamos, suscitai também em favor da Igreja pa­decente uma nova ordem cujo fim principal seja se ocupar dia e noite no alívio e na libertação das almas do purgatório...”.
Quem lia isto, comovida e inspirada, era a senhorita Eugênia Maria José Desmet. Sempre foi uma alma piedosa e desde pequenina teve uma devoção ardente pelas almas do purgatório e uma inclinação pelos pobres e miseráveis, aos quais procurava sem­pre amparar caridosamente. Ao ter a inspiração tão forte da fundação de uma obra para socorro das al­mas do purgatório, não pode mais ter sossego. Era uma alma sincera, um espírito muito equilibrado e nada sujeito a fantasias. Neste mesmo dia 1.º de Novembro, ao sair da igreja, a senhorita Desmet en­contra uma amiga que lhe fala na necessidade de uma associação em favor das almas do purgatório. Era uma coincidência muito estranha! A piedosa jovem sabia que era necessário agir, mas tinha medo de ilu­sões, e pediu a Nosso Senhor alguns sinais da sua Santa Vontade. Queria cinco graças: a bênção do Pa­pa para a obra — a aprovação de diversos Bispos — a extensão rápida da Associação — um certo número de almas piedosas que se destinassem a este aposto­lado — e um padre que tivesse a mesma idéia.
Em menos de dois anos alcançou tudo quanto de­sejava. O projeto foi apresentado a Pio IX, que o aprovou de todo coração. Diversos senhores Bispos, e entre eles o Arcebispo de Paris, deram a sua bên­ção e aprovação rapidamente. O padre que tivesse a mesma idéia, seria o Santo Cura d’Ars. A senhorita Desmet nunca viu nem escreveu ao Cura d’Ars, mas através do Pe. Tocanier coadjutor do Santo, foi este consultado. São João Maria Vianney disse: “Diga a ela, referia-se a M. Desmet, diga a ela que estabeleça uma congregação pelas almas do purgatório quando ela quiser”.
Não ficou satisfeita ainda a senhorita. Queria que o Santo Cura d’Ars meditasse e rezasse para sa­ber se era da vontade de Deus o projeto. Assim o fez. Num dia de finados, o Santo passou de joelhos longa hora, rezou muito e levantando-se com os olhos ba­nhados em lágrimas, disse ao Pe. Tocanier: “A obra é inspirada por Deus, foi Deus quem inspirou uma tal dedicação. Duas coisas pode ter certeza: que apro­vo a vocação dessa senhorita à vida religiosa e a fun­dação desta congregação, que há de se estender rapi­damente pela Igreja; está aí uma obra que Nosso Senhor pede há muito tempo”.
A respeito do noviciado, disse o Cura d’Ars: “Poucas para começar, mas bem escolhidas e de boa semente...”.
O Pe. Olivant poderia mais tarde dizer das fun­dadoras: é um punhado de almas de elite.
Qual o fim do Instituto nas obras? Foi ainda o Cura d’Ars quem o inspirou: trabalhar pelas almas do purgatório, dedicando-se às obras de caridade. “Realizareis, disse ele às fundadoras, realizareis a ple­nitude do espírito de Jesus Cristo, aliviando ao mes­mo tempo os seus membros sofredores na terra e no purgatório”.
Em 19 de Janeiro de 1856, Eugênia Smet che­gou a Paris e se retirou com algumas companheiras, suscitadas por Deus, numa residência modesta . Três dias depois foi procurar o Arcebispo Mons. Sibour, que a recebeu com muito carinho e prometeu fazer tudo pela obra. Em Junho do mesmo ano estava a Congregação estabelecida. Vieram muitas provações.
Em pouco tempo a morte do Arcebispo e do Santo Cura d’Ars. Não obstante, a obra prosperou. Em 27 de Fevereiro de 1871, Pio IX deu o Breve de apro­vação e Leão XIII, em 1878, aprovou as Constitui­ções. As Irmãzinhas do Purgatório abriram casas em outras nações e foram até para a China realizar o seu programa: glorificar a Deus socorrendo as almas do purgatório, aliviando todas as misérias hu­manas.

Madre Maria da Providência foi o nome da senhorita Smet em religião.
Foi admirável esta santa criatura! Passou dolo­rosas provações, mas tudo venceu heroicamente. O Cura d’Ars lhe havia profetizado muitas cruzes: “Vossas cruzes são flores que hão de dar muitos fru­tos. Só vós haveis de saber um dia quanto sofrimen­to vos há de custar para firmar vossa obra. Porém se Deus está convosco, quem será contra vós?”. A profecia se realizou. “A Igreja padecente deve ter mártires neste mundo, dizia Madre Maria da Provi­dência”. Dizia ela também, gemendo de dor na doença: “Amar sofrendo e sofrer amando para vos dar almas, ó meu Jesus!”. É preciso sofrer para pagar tantas graças!
No Instituto das Irmãzinhas do Purgatório duas devoções se cultivam com amor: a do Sagrado Co­ração de Jesus e da Providência Divina. A piedade e devoção a Maria Santíssima é tudo na obra sob a invocação de Nossa Senhora da Divina Providência. Cada dia e a cada hora hão de repetir as Irmãs: “Meu Deus, nós vos oferecemos pelas almas do purgatório todos os atos de amor pelos quais o Sagrado Coração de Jesus vos glorificou nesta mesma hora, quando estava na terra”.

Não é uma bela invocação que podemos também adotar?
Rezar, sofrer, trabalhar! Era o lema da Madre Maria da Providência, fundadora das Irmãzinhas do Purgatório. Seja o nosso lema: rezar, sofrer e tra­balhar pelas almas do purgatório! — (Vie de la R, M. Marie de la Providence).

[1] Cit. Rousic — “Le Purgatoire”.
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Fonte:


27 de Novembro: As aparições de almas do purgatório


AS APARIÇÕES DE ALMAS DO PURGATÓRIO
Que são as aparições?

Contam-se fatos prodigiosos e muitas aparições de almas do purgatório. Isto poderia talvez impres­sionar a alguns e julgarem que podemos desejar ou procurar, com certa curiosidade, indagar a sorte dos mortos ou facilmente ter comunicação com as almas do purgatório. Quanta ilusão perigosa e quanta su­perstição e crendice em torno disto! É mister discer­nirmos bem as verdadeiras das falsas aparições, e mostrarmos o pensamento da Igreja e dos Santos Doutores para que se evitem confusões e ilusões nu­ma matéria tão grave e delicada, porque tão sujeita a enganos e erros.
Que é uma aparição? É uma manifestação do outro mundo, de alguém que nos vem dizer o que lá se passa. Podemos acreditar nas aparições?
Há dois extremos igualmente prejudiciais. Um dos que facilmente aceitam toda sorte de aparições sem exame e não têm a prudência de estudar e esperar a opinião de pessoas criteriosas, teólogos ou autoridades eclesiásticas e superiores, que possam discernir com segurança a verdade de tais aparições. É uma leviandade. Assim o diz a Escritura: “Qui cito credit, levis est corde”[1], quem facilmente em tudo crê, é leviano de coração, é um espírito leviano. Todavia, rejeitar sistematicamente e obstinadamente toda aparição, todos os fatos sobrenaturais, mesmo que tenham os sinais de verdadeiros, é prova de mui­to ceticismo, de orgulho, e pode levar à infidelidade a graça, como insinua a Escritura: “Qui incredulus est infideliter agit”[2], quem é duro em acreditar, procede contra a piedade.
É mister um equilíbrio neste caso entre os dois extremos. Uma alma verdadeiramente humilde e obe­diente nunca poderá se enganar. Outra questão é se as almas do outro mundo podem se comunicar com os vivos. Podem voltar à terra quando queiram ou quando desejem os vivos? Respondemos sem hesitar, com a boa doutrina da Igreja e dos teólogos: — não e não! Isto só se dá por uma especialíssima permis­são de Deus, raras vezes, e por milagre, para ensina­mento e confirmação da imortalidade da alma, para lição dos vivos ou para pedir socorro e sufrágios.
Desde que nossa alma se separou do corpo pela morte, não tem mais órgãos para se comunicar com os homens, é puro espírito, e só por milagre se pode tornar sensível. E demais, quando a alma deixou o corpo, já foi entregue à Divina Justiça, e está no lu­gar que mereceu: o céu, o inferno ou o purgatório. Não pode, sem milagre, entrar em comunicação com os homens. Este milagre das aparições nós os encontramos na Sagrada Escritura. Samuel apareceu à Pitonisa de Endor e repreendeu a Saul porque havia perturbado o repouso dos mortos. Mostrou o castigo que lhe estava reservado por esta curiosidade vã. Na morte de Nosso Senhor, conta São Mateus que os túmulos se abriram e muitos mortos apareceram e foram vistos em Jerusalém. Nas vidas dos Santos encontramos inúmeras aparições, e a Santa Igreja, ao elevar à honra dos altares os servos de Deus, submete a um rigoroso processo todos os fatos e prodí­gios que deles narraram, embora não se pronuncie sobre eles. Portanto, há verdadeiras aparições.

Verdadeiras e falsas aparições
Há verdadeiras e falsas aparições. Estas muito mais frequentes do que aquelas. Como distingui-las? Há sinais pelos quais facilmente podemos nos livrar de enganos e afastarmos o perigo da ilusão diabólica. Devemos imitar sempre a reserva prudente da Santa Igreja nesta matéria. A Igreja não admite revelação alguma se não for devidamente comprovada, e ainda assim, não obriga os fiéis a nela acreditar. Ninguém é obrigado a acreditar numa revelação particular por mais provada que tenha sido. Não obstante, depois de bem provadas, seria temerário abusar com uma sistemática atitude de ceticismo, diante do que San­tos e homens doutos e equilibrados aceitaram e provaram não haver ilusões.
Diz Bento XIV que podem os fiéis acreditar e podem ser publicadas as revelações particulares para edificação dos fiéis, contanto que sejam aprovadas pela autoridade eclesiástica. O Papa Urbano VIII manda que ao serem publicadas, declare o autor em nada querer se adiantar aos juízos da Igreja, e que tais fatos merecem apenas uma fé humana e não im­portam em definição da Santa Madre Igreja.

Eis as cautelas com que a Igreja cerca as aparições.
Há também regras seguras para discernimento das revelações segundo os bons autores de espiritua­lidade e os melhores teólogos. Umas se referem às pessoas que recebem as revelações, e outras à ma­téria das revelações e aos efeitos das mesmas. Quan­to às pessoas é mister indagar dos dotes naturais. É um temperamento equilibrado? Não se trata de uma psico neurose ou de histerismo? Nestes casos, quantas alucinações perigosas e difíceis de serem discer­nidas logo de começo! Quanto ao estado mental, é pessoa discreta, de juízo reto, ou de imaginação exal­tada e de sensibilidade excessiva? É instruída ou ig­norante? Onde aprendeu o que sabe? Não estaria com o espírito debilitado por jejuns ou por alguma enfer­midade? Quanto a moral, é mister saber se trata-se de pessoa sincera ou acostumada a exagerar e a mentir. É um temperamento calmo, ou apaixonado e sem equilíbrio? A resposta a estas perguntas não dará, certamente, uma solução para a prova da exis­tência ou não de uma revelação verdadeira, mas ajudará muito a julgar do valor do testemunho dos videntes.
Quanto à matéria das aparições é mister muita atenção para julgá-las. Segundo a doutrina unâni­me dos Doutores, nenhuma revelação pode contradi­zer o dogma e o que foi ensinado pelo Evangelho. Diz São Paulo: “Ainda que um Anjo do céu vos pregue um evangelho diferente do que anunciamos, seja anátema”[3]. Deus não se contradiz. Nas falsas aparições há mentiras, erros teológicos graves, contradições, e muitas vezes coisas contrárias às leis da mo­ral e da decência.
Muitas pessoas de imaginação muito viva tomam seus próprios pensamentos por visões e locuções in­teriores. Dizia Santa Teresa: “Acontece com certas pessoas de tão fraca imaginação que se embebem de tal maneira na imaginação, que tudo o que pensam claramente lhes parece que estão vendo”[4].

Aparições das almas do purgatório
Depois de termos mostrado a verdadeira doutri­na da Igreja sobre as revelações ou aparições, trate­mos das aparições das santas almas. Podem elas aparecer aos homens? Sim, raramente e por permis­são de Deus. É uma graça para quem recebeu a apa­rição e uma graça para a pobre alma, sobretudo quan­do Deus permite que ela obtenha socorros para se livrar das chamas expiadoras. Deus o permite para excitar a nossa fé na imortalidade da alma e para que compreendamos melhor a sorte das pobres almas e procuraremos sufragá-las com mais zelo e carida­de. Como distinguir as verdadeiras das falsas apari­ções de almas do purgatório? Já demos as principais regras deste discernimento segundo a doutrina da Igreja e a teologia. Acrescentemos mais algumas. No século XVII o sábio Cardeal Bona criticou severamente a facilidade e leviandade com que acreditavam muitos em revelações sobrenaturais e deu algumas regras que podem nos esclarecer muitos na matéria. Vamos comentá-las:
“1.º — ‘Toda aparição desejada ou provocada é suspeita’. Ninguém deve desejar ver nem conversar com os mortos, indagar a sorte dos defuntos, mesmo que o faça por motivo de caridade e para rezar por eles. Não se deve desejar aparição alguma de alma do purgatório. Seria temeridade e presunção.
2.º — Se a aparição revela coisas ocultas que seria melhor silenciar sobre elas, faltas alheias, ensina coisas contrárias ao dogma e ao Evangelho, tem horror à água benta, ao crucifixo etc., está provado que se trata do Demônio.
3.º — As almas do purgatório aparecem geralmente para solicitar orações, recomendar restituições, etc. E feito isto, não voltam mais, a não ser para agradecerem. Se uma aparição se torna importuna dia e noite, ameaça, perturba a paz de um homem ou de uma família ou comunidade, é sinal certo de demônio.
4.º — Ninguém deve aceitar serviços prestados pelas almas do purgatório que se vem colocar à nossa disposição, morar conosco, etc. É pura ilusão isto ou coisa diabólica.
5.º — Todos os bons teólogos místicos ensinam que as aparições verdadeiras logo de princípio perturbam e assustam, mas depois lançam a alma numa doce paz, aumenta a humildade, excita o amor de Deus e do próximo e produzem um grande desejo de perfeição. Quando alguém começa a se gabar das aparições, mostrar-se digno delas, perturbar-se em vão e encher-se de presunção, irritar quando os superiores não fazem caso das suas visões e desobedecerem, eis um sinal bem certo de engano.
6.º — É mister que as aparições sejam expostas singelamente a um bom diretor, sem exageros nem reticências, nem diminuição da verdade. E depois fi­car pelo que ele decidir e obedecê-lo cegamente”.
Com estas regras seguras dos bons teólogos e autores místicos, não haverá perigo de ilusão. Deus Nosso Senhor na sua misericórdia tem permitido muitas revelações das almas do purgatório. Parece mesmo que são mais numerosas do que qualquer outras. Quanta luz sobre o purgatório não nos deram, por exemplo, as revelações de uma Santa Catarina de Genova! Nesta matéria sejamos muito prudentes e criteriosos e não nos afastemos do pensamento da Santa Igreja e das normas que acima vão expostas.

Exemplo
O purgatório nas visões de uma mística canadense
Em 14 de Março de 1910 faleceu na cidade de Pointe Claire, no Canadá, uma mulher extraordiná­ria, santa mãe de família, um modelo de esposa e cris­tã verdadeira, Madame Brault, Maria Luiza Richard. A publicação da vida extraordinária e maravilhosa desta grande mística, há bem pouco, causou sensação em todo mundo, tais os prodígios contados e provados desta mulher que se pode enfileirar ao lado de Ana Taigi e das grandes místicas da Igreja. Dotada de uma grande simplicidade, espírito bem equilibrado e sensato, de uma piedade muito provada e sincera, hoje está perfeitamente averiguado que não se tratava de nenhum espírito mistificador nem de alguma fal­sa visionária. Teólogos e prelados ilustres examina­ram fatos, confessores doutos e esclarecidos depuseram como testemunhas fidedignas no exame dos fa­tos impressionantes da vida maravilhosa desta grande mística de nosso século. Madame Brault tinha contato com as almas do purgatório e como o Santo Cura d’Ars podia dar testemunho da sorte das pobres almas. Dizia ela chorando, num dia de Finados: “Os egoístas da terra se esquecem dos mortos. Como deve ser cruel para as pobres almas do purgatório o abandono dos homens! Dizem que amam os pais e parentes defuntos! Que mentira! Nós que amamos a Deus devemos amar nossos amigos do purgatório todos os dias de nossa vida. Eu quisera ser capaz de sofrer sozinha tudo o que padecem as almas do purgatório para poder libertá-las!”.
Madame Brault teve muitas visões das almas do purgatório. Elas lhe pediam orações, Missas e sacrifícios. As pessoas que ela via eram desconhecidas às ve­zes e fizeram inquéritos rigorosos de datas, lugares e circunstâncias, chegando-se à conclusão da impossibili­dade de qualquer mistificação. Eram impressionantes as revelações desta mística. Em 1905, uma religiosa acompanhada de outra foi visitar Madame Brault.
— “Não quero visitar esta louca”, disse a Mestra de noviças.
— “Ó, minha Irmã, não diga assim! Madame é tão equilibrada e santa, tão discreta e humilde!”
Afinal tiveram uma entrevista com ela. Foi uma pa­lestra amável e singela. Depois de alguns instante, Madame Brault chamou a Irmã e lhe disse:
— “Minha Irmã, a senhora não reza mais por seus parentes falecidos?”.
— Meus parentes morreram há muito tempo e eram muito bons, devem estar no céu.
— Sim, vosso pai e vossa mãe estão no céu. Um irmão porém morreu repentinamente em tal lugar e em tal data, e um sobrinho. E a senhora nunca mais rezou por eles. É preciso dizer ao sobrinho que vai se ordenar, que diga logo algumas missas por seu tio.
A Religiosa pasmou diante do que ouvira. Era impossível que Madame tivesse tido informações tão fiéis de seus parentes. Outra Irmã perdera o pai em 31 de Julho de 1903. Madame Brault lhe disse: “Tenha confiança, Irmã, seu pai está no céu. Tinha ele uma grande devoção à Santíssima Virgem, gostava de rezar o rosário e morreu num sábado. Naquele sábado mesmo Nossa Senhora o fez entrar no céu”.
Ela nunca ouvira falar deste homem, e não lhe era possível conhecer tal pessoa.
“Sejamos libertadores das almas do purgatório, repetia ela depois dos êxtases. Nosso Senhor nos deu as chaves da prisão do purgatório: a oração, o sofrimento, o sacrifício...”.
No dia 21 de Dezembro de 1907, na relação que foi obrigada a fazer por escrito ao seu Diretor espiritual, viu ela um Padre no purgatório. Estava revestido de ornamentos sacerdotais e com um cálice todo em fogo. As mãos pareciam roídas e apareciam até os ossos. Úlceras por todo o corpo e torturas hor­ríveis. À vista deste tormento, Madame Brault gemeu: “Ó meu Bem Amado, meu Jesus, quero sofrer por esta alma; por que não me dais a graça de sofrer mais para aliviá-la? Depois vi Jesus se aproximar do Padre e derramar sobre aquelas chagas seu precioso Sangue. As chagas se cicatrizaram e as cadeias do pobre sacerdote caíram. Depois meu Jesus me disse que libertaria aquela alma pelas minhas orações. A face do padre ficou limpa das úlceras, uma bela esto­la roxa lhe adornava o pescoço e os paramentos me pareceram mais brilhantes e belos. Jesus me dis­se que libertaria a alma do sacerdote”.
No dia de Finados de 1908, foi ao cemitério rezar pelos mortos e viu, Madame Brault, muitos mortos que lhe apareciam saindo das sepulturas em queixas doloridas de cortar o coração: Estamos esquecidos de nossos parentes! Não rezam por nós! Nossos amigos nos esqueceram, nos abandonaram!!!
Fez ela uma Via Sacra pelos defuntos e se reti­rou muito amargurada, pelo esquecimento dos po­bres mortos.
“Compreendo, dizia ela ao confessor, o martírio das pobres almas nas chamas do purgatório!”. Viu um padre conhecido no purgatório que lhe disse: “Eu sofro muito por ter rezado tantas vezes meu breviário quase sem pensar que falava com Deus e por ro­tina, e também pela minha pouca preparação e ação de graças muito rápida depois da Santa Missa”.
Enfim, seria longo narrar as impressionantes visões do purgatório de Madame Brault, a grande mística de nossos dias. A biografia desta mulher extraordinária foi publicada pelo Pe. Louis Bouhier, S. S., antigo pároco da vidente. É a obra “Une mystique canadienne — Vie extraordinaire de Madame Brault” — Edition Beauchemin, 1941.

[1] Eccl. XIV — 4.
[2] Isaías — XXI, 2.
[3] Galatas — I, 8.
[4] Castillo — Morados sextas — Cap. IX, 9.
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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão

Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre

26 de Novembro: O cemitério





O CEMITÉRIO
Que é um cemitério?

O cemitério é simplesmente o lugar do repouso dos mortos. A palavra cemitério vem do latim: caemeterium, que literalmente significa dormitório, co­mo a palavra grega donde se origina. Dormitório! Lugar de descanso. Lá estão aqueles sobre os quais reza a Igreja, dizendo: Requiem aeternam dona eis, Domine! — Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno. Os corpos dos fiéis cristãos dormem, à espera da res­surreição. A Igreja chama o cemitério o lugar onde dormem os fiéis. O Ritual Romano fala na bênção “do lugar onde dormem os fiéis”... Que expressões!
Na linguagem cristã, o cemitério chama-se tam­bém campo santo. E há lugares onde o denominam também campo de Deus. Os povos pagãos tinham do cemitério uma idéia ou supersticiosa ou muito gros­seira e materialista. Os romanos o denominavam putreolli — lugar onde se apodrece. Os pagãos moder­nos têm horror do cemitério e pensam mesmo em aboli-lo, substituindo-o pelos macabros fornos cre­matórios. Entretanto, é um lugar sagrado, uma lição perene para os vivos, é a recordação do nosso nada, da nossa miséria, mas também da nossa imortalida­de e da ressurreição da carne. É um lugar sagrado.
Tem este caráter sagrado, por mais que o laicismo tente reduzi-lo a um simples depósito de cadáveres destinados ao apodrecimento. Nosso corpo e sagrado, é o templo do Espírito Santo. Ainda depois de sepa­rado da alma, há de merecer todo respeito, porque um dia ressuscitará.
A Liturgia tem uma bênção solene para os cemitérios, reservada aos Bispos. Nele se planta uma cruz bem grande. É a lembrança de nossa Redenção. O cemitério é a terra da cruz. Tudo ali nos fala da cruz de Jesus Cristo. Em cada sepultura, o símbolo da Redenção. Como é triste verem-se, ainda hoje, tú­mulos pagãos donde baniram a cruz, substituída por uma coluna partida ou qualquer outro símbolo de dor e desespero. O cristianismo santificou a sepultura. Os primeiros cristãos eram sepultados nas catacum­bas, com honras e piedosas preces. Como são belas as inscrições que nos deixaram! Todas falam da imortalidade e do céu. Às vezes uma só palavra dizia tudo: Vixit! Viveu!
A Igreja, que consagra os cemitérios, abençoa as sepulturas cristãs e pede ao Senhor mande um An­jo guardar cada uma delas. Eis a bela oração da bên­ção do túmulo: “Ó Deus, cuja misericórdia dá o re­pouso às almas dos fiéis, dignai-vos abençoar esta sepultura e enviar o vosso Anjo para a guardar. Dig­nai-vos também livrar dos laços dos seus pecados as almas daqueles cujos corpos estão aqui sepultados, a fim de que gozem continuamente e eternamente a felicidade junto com os vossos Santos”...
Que laços são estes dos pecados? Naturalmente os laços que prendem as pobres almas na expiação, nas chamas do purgatório. Eis como a Igreja san­tifica o cemitério e nossa sepultura, e deseja que aprendamos ali o que somos: pó! E... uma alma imortal destinada à felicidade eterna no seio de Deus.

Lições do cemitério
O cemitério é uma escola, não há dúvida. Fala-nos da morte. Lembra nossos Novíssimos. Dizia San­to Agostinho: “Sit mors pro Doctore, que seja vos­sa mestra a morte! Palavras profundas e tão singe­las! Sim, a morte é uma grande mestra. E onde en­sina melhor? Onde está sua escola? No cemitério. Quantas lições ela não nos dá! Ó, se os vivos soubes­sem aproveitar as lições da Doutora Morte!
Vamos a cemitério com sentimentos cristãos e muito aprenderemos lá.
Um cemitério cristão, escreve o erudito Mons. Gaume, prega quatro dogmas:
— A nobreza e a santidade do corpo do homem,
— a grande lei da fraternidade universal e eterna,
— a imortalidade da alma,
— a ressurreição da carne.
Prega a nobreza do corpo humano, cercando-o de respeito e veneração, mesmo quando ele se transfor­ma num montão de ruínas, numa podridão, num pu­nhado de cinzas. Respeita estas cinzas e as quer de­positadas num lugar sagrado.
Uma voz parece se ouvir no cemitério como a do Senhor a Moisés: “locus enim in quo stas, terra sancta est”. É sagrado o lugar onde estás, esta terra que pisas.
Lá dormem os cristãos. Como é doloroso ver-se desrespeitado e profanado o lugar dos mortos com tantas leviandades e até com o escândalo e o pecado. No cemitério conservemo-nos respeitosos como num templo. Oremos e meditemos ali. É lugar sagrado. O cemitério fala-nos que somos todos irmãos. Todos ni­velados numa tumba! A diferença dos mausoléus e das sepulturas rasas não tira ao cemitério a idéia do nivelamento, do nada que somos, e da podridão de uma sepultura. Que lição para os orgulhosos! E como devemos nos amar em Cristo, nós que seremos nive­lados após a morte até a ressurreição da carne! De­baixo de uma sepultura, todos iguais! Ali não há po­bres nem ricos, nem grandes ou pequenos. Já o dis­semos, o cemitério cristão prega-nos a imortalidade de nossa alma. Ali não se acaba tudo. Ali começa tudo. É a porta da eternidade, o pórtico da outra vida. Então, pensamos na imortalidade de nossa al­ma. Olhar para um cemitério com a indiferença des­te grosseiro materialismo que hoje aí impera, é mui­to triste e horrível porque desespera. Cada sepultura é uma porta do céu para o verdadeiro cristão. Uma se­menteira onde descansa um corpo que depois de apo­drecido como a semente na terra, surgirá ressuscita­do para unir-se à alma na eternidade, quando vier a ressurreição da carne. Ressuscitarei um dia! Que doce esperança do cristão!
Escreveu D. Cabról: “A alma voltará um dia pa­ra animar este corpo que foi seu companheiro na ter­ra e que ela o fez trabalhar no serviço de Deus. To­mará de novo sua forma mortal, mas uma forma em­belezada, enobrecida, elevada até o apogeu da glória. A alma santificada elevará este corpo a um grau de glória e o fará entrar no céu e lhe comunicará os dons da imortalidade e da glória”.
Tudo isto aprende e medita o cristão num cemi­tério quando o visita com fé e vive o espírito da Igre­ja que santifica e abençoa o Campo Santo.

Visitas ao cemitério
Quanto mais os cristãos tíbios e os pagãos mo­dernos têm horror e fogem dos cemitérios, tanto mais nós, os que cremos na imortalidade de nossa alma e esperamos a ressurreição da carne, devemos visitar e amar o campo santo. Visitemos os cemitérios. Serão nossos mestres, e neles nos lembraremos das pobres almas do purgatório.
São Camilo de Lellis e muitos outros santos ti­nham o piedoso costume de visitar os mortos e me­ditar sobre as sepulturas. Quantas vezes o Santo dos enfermos não se aprofundava numa meditação ante as sepulturas, dizendo a si mesmo: medita na sorte destes que já estão na eternidade.  Ó, se muitos des­tes mortos pudessem voltar à terra, como fariam pe­nitência e haviam de trabalhar para sua salvação! Agora sabem eles o que é um Deus e uma eternida­de, e o que valem as vaidades deste mundo!”.
Aconselha-se a visita aos cemitérios para medi­tação nossa e para o proveito dos fiéis defuntos. Con­vém recolher-se um pouco ao passar diante de um campo santo. Rezar, refletir um instante! Não seja­mos indiferentes e frios como os que não têm fé e não esperam a ressurreição da carne.
A Santa Igreja, para nos estimular, concede-nos várias e ricas indulgências pela visita ao cemitério. Durante o oitavário dos mortos, isto é, de 2 a 9 de Novembro, os fiéis que visitarem o cemitério e reza­rem pelos defuntos, podem lucrar as seguintes indul­gências: “Uma indulgência plenária cada dia aplicada só aos defuntos. E a todos que visitam o cemitério e oram pelas almas, uma indulgência de sete anos aplicável só aos defuntos — P. P. P. — 446).
Por que estas indulgências? Naturalmente para nos estimular a orar pelos mortos no lugar dos mor­tos, e assim embalsamarmos com a oração a sepul­tura sagrada dos que dormem à espera do acordar do Juízo no último dia.
Nas visitas pastorais o Bispo reserva um dia pa­ra os mortos. São também dignos merecedores da visita do Pastor. É o exame do Pastor vigilante não só por motivos canônicos e litúrgicos; tem o fim estimular os fiéis a rezarem pelos fiéis defuntos, incentivar a devoção do sufrágio, recordar as gran­des verdades de nossos novíssimos.
Por tudo isto, que havemos de concluir?
A Igreja quer que visitemos os cemitérios, que não nos esqueçamos desta obra de caridade. Não basta aquela visita, quanta vez por vaidade e osten­tação, no dia de Finados, umas coroas depositadas nos túmulos, umas lágrimas que logo se enxugam e as flores que logo se murcham. Não é disto que pre­cisam os mortos. As flores provam amizade, não as reprovamos. São elas uma manifestação delica­da de amor. As lágrimas não as condenamos. Jesus não chorou ante o sepulcro de Lázaro? Ficaremos to­davia só em lágrimas de sentimentalismo? É preci­so sufragar as almas de nossos defuntos queridos. Vamos aos cemitérios para os socorrer e não apenas para nos consolar e cumprir uma formalidade social. Enfim, visitemos os cemitérios como cristãos, como os que acreditam na ressurreição da carne.

Exemplo
O príncipe polonês convertido

O grande pregador Pe. Lacordaire numa das suas conferências aos alunos do Colégio de Sorreze, conta o seguinte fato ao tratar da imortalidade da alma:
Um príncipe polonês, incrédulo e muito conhe­cido pelo seu materialismo, havia escrito um livro contra a imortalidade da alma. Estava já pronto o livro e prestes a entrar no prelo, quando ao passear pelo jardim veio-lhe ao encontro uma pobre mulher e banhada em lágrimas lançou-se aos seus pés, dizen­do:
— “Meu caro senhor, meu marido morreu. A sua alma deve estar no purgatório e há de sofrer muito. Eu sou muito pobre, não tenho dinheiro para a es­pórtula de uma Missa por sua alma. Tenha a carida­de de me dar uma esmola para mandar celebrar uma Santa Missa pela alma de meu marido”.
O incrédulo príncipe teve pena da pobre mulher, e embora não acreditasse na imortalidade da alma e combatesse toda crença, levou a mão ao bolso e en­controu uma moeda de ouro. Deu-a logo à mulher. A pobrezinha, radiante de alegria, foi logo à primeira igreja e encomendou diversas Missas pela alma do sau­doso esposo. Cinco dias depois, o príncipe relia os manuscritos do seu livro já em vésperas de ser pu­blicado — o terrível livro contra a imortalidade da alma. — De repente, levantando a cabeça, deu com os olhos num homem misterioso que lhe parou em frente à mesa de trabalho do escritório. Era um camponês.
— Príncipe, diz o desconhecido, venho agra­decer-lhe. Sou o marido daquela pobre senhora que há poucos dias pediu a Vossa Alteza uma esmola para mandar celebrar Missas pela alma do esposo falecido, pela minha alma. A caridade de Vossa Alteza foi tão bem aceita de Deus, que me foi permitido vir agra­decer tão grande benefício.
Diante disto o príncipe, comovido, se converteu, rasgou os originais do livro ímpio que havia escrito, lançou-os ao fogo e tornou-se bom cristão até a morte.

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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão

Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre

25 de Novembro: A Missa dos defuntos

Missa de Requiem do Rei da França Luis XVI, em Paris. Fonte New Liturgical Moviment.

A MISSA DOS DEFUNTOS
As cerimônias

O simbolismo tocante e belo das cerimônias da Missa dos defuntos não pode ser ignorado de quantos querem assistir com proveito ao melhor e o maior dos sufrágios que se pode oferecer pelos mortos — o Santo Sacrifício dos nossos Altares.
Esta Missa é celebrada com o paramento de cor preta, simbolizando o luto. Não tem o Glória. É se­melhante às Missas do tempo da Paixão. Mostra a dignidade do cristão assemelhado a Jesus Cristo na Paixão. Não tem o Salmo Judica me, porque nele se diz: quare tristis est anima mea et quare conturbas me? Por que perguntar à alma porque está triste quando já foi julgada?
O sinal da cruz que o sacerdote faz sobre si nas outras Missas, aqui é feito sobre o Missal, para di­zer que tudo é agora para os mortos, os frutos e mé­ritos da cruz. Nem o padre nem o diácono beijam o Missal, simbolizando que as almas não receberam o ósculo da paz de Deus no céu.
Escreveu o piedoso Mons. Olier: “Não se beija o Missal no fim do Evangelho primeiro, porque as al­mas do purgatório morreram em sinal da fé — insigno fidei — não têm necessidade de uma profissão de fé no Evangelho Pelo mesmo motivo a Missa dos defuntos não tem Credo, que é a manifestação públi­ca da nossa fé. No ofertório não há bênção da água que é posta no cálice com o vinho, porque a água sim­boliza os fiéis, e a Igreja não tem jurisdição sobre os fiéis defuntos na outra vida, pois estão em Graça com Deus. No Agnus Dei não há paz, a cerimônia do Pax tecum. As almas já estão na paz de Deus e livres dos perigos do pecado que tira a verdadeira paz. Elas sofrem muito, mas em doce paz. No Agnus Dei não se diz Miserere nobis, mas “dai lhes o descanso”. Im­ploramos o eterno descanso para as pobres almas so­fredoras e em tormentos do purgatório. Elas não pre­cisam de paz, mas de um descanso eterno no seio do Deus. Não há bênção no fim da Missa porque as al­mas não ouviram ainda de Nosso Senhor: “Vinde, benditas de meu Pai, receber a recompensa...”.
Ao invés do Ite, Missa est — “acabou-se a Mis­sa”, a ordem de dispersar os fiéis e anunciar o fim da Missa, diz o sacerdote: Requiescant in pace — “Descansem em paz”. É um convite ao povo, também, para que reze pelos fiéis defuntos e para dizer que todo aquele Augusto Sacrifício foi oferecido para descan­so dos pobres irmãos do purgatório. Eis as cerimô­nias especiais e variantes das Missas dos defuntos. O Introito é uma súplica pelo descanso das almas. “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno e que lhes resplandeça a luz perpétua”. No gradual, a mesma sú­plica. No Trato: “Livrai, Senhor, as almas dos fiéis defuntos das cadeias dos seus pecados. E que o socorro da vossa graça consiga evitar o Juízo da Vin­gança e gozem a bem-aventurança da luz eterna”. Na Communio é ainda o pedido do eterno descanso: “Que a luz eterna lhes resplandeça com os vossos Santos por todos os séculos, ó Senhor, pois sois tão bom!”.
E pede de novo: “dai-lhes o descanso e a luz perpétua, pois sois tão bom, Senhor”.
Que belas súplicas pelas pobres almas!

O Dies Irae
O Dies Irae é uma Sequencia da Missa dos de­funtos, atribuída ao franciscano Celano, que a teria escrito no ano de 1260. É uma descrição impressio­nante do Juízo final. Uma meditação das mais vivas daquele dia tremendo em que todo o Universo há de prestar conta ao Juiz dos vivos e dos mortos. Reza-se o Dies Irae nas Missas de Requiem. Comentá-lo seria prolixo e exigiria um volume. Vamos meditá-la tra­duzida, embora não sem a beleza e a expressão do latim e da forma poética. Servirá muito para nossa meditação. Ei-la:
“Dia de ira aquele em que o Universo terá re­duzido a cinzas, segundo as predições de Davi a Sybila. — Qual não será o terror dos homens quando o Soberano Juiz vier perscrutar todas as suas ações com rigor! — O som estridente da trombeta acorda­rá os mortos nas profundezas das sepulturas, reu­nindo-os todos diante do trono do Senhor. A morte e a natureza ficarão estupefatas quando a criatura comparecer para ser julgada pelo Juiz. — Um Livro aparecerá onde está escrito tudo sobre o que há de versar o julgamento. — Quando o Juiz se assentar no Tribunal, tudo o que estiver oculto ficara desco­berto e nenhum crime ficará impune. Infeliz de mim! Que poderei dizer então? Que protetor procurarei quando somente o Juiz estará tranquilo?! — Ó Rei, cuja Majestade é tremenda, mas que salvais gratui­tamente os escolhidos, salvai-me, ó Fonte de piedade! — Recordai-vos, ó piíssimo Jesus, de que viestes ao mundo por minha causa; não me condeneis nesse dia. — Ó Vós, que vos fatigastes em minha procura e que para me resgatardes morrestes numa cruz, não queirais que fiquem infrutíferos tantos esforços! Ó Justo Juiz, que castigais com justiça, concedei-me o perdão das minhas faltas antes do dia do julgamento. — Eu choro como réu, as minhas culpas envergonham-me. Ó Deus, que as minhas súplicas me alcancem o perdão! Ó Vós, que absolvestes a Maria e ouvistes o ladrão, concedei-me também a esperança! Bem sei que as minhas preces não são dignas, mas vós, que sois bom, não consintais que eu arda no fogo eterno. Colocai-me entre os cordeiros, à vossa direi­ta, e separai-me dos pecadores. Livrai-me da con­fusão e do suplício dos malditos condenados, e introduzi-me junto dos benditos de Vosso Pai. Suplicante, prostrado ante vós e com o coração esmagado, como reduzido a cinzas, eu Vos imploro, ó Senhor, que te­nhais piedade de mim no momento da morte. Dia de lágrimas aquele em que o homem pecador renasça das suas cinzas para ser julgado! Tende pois piedade dele, ó meu Deus! Ó piíssimo Jesus! Ó Senhor, concedei-lhe o repouso eterno!”.
Não é verdadeiramente impressionante, nela, esta Sequência da Missa dos defuntos?
O Dies Irae é um grito de temor e de esperança. Fala-nos do tremendo Juízo e aponta-nos a doce esperança na Misericórdia do Salvador. Termina: Pie Jesu dona eis requiem. — Piedosíssimo Jesus, dai-lhes o descanso eterno!
Lembra o Juízo para nosso temor e para que an­demos vigilantes e preparados, e recorda-nos a Divi­na Misericórdia, para que nunca desesperemos. Im­plora misericórdia e descanso para os que já passa­ram pelo tremendo julgamento e sofrem no purga­tório.

Prefacio da Missa dos defuntos
Outra jóia da Liturgia é o prefácio dos defun­tos. Uma lição, uma lembrança de nossa imortali­dade e ressurreição futura. Não é muito antigo. Va­mos meditá-lo:
“Verdadeiramente é digno e justo, racional e sa­lutar que sempre e em todos os lugares vos demos graças, Senhor, Santo Pai Onipotente, Eterno Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo, em quem nos concedestes a esperança da feliz ressurreição; de sorte que, conquanto a condição certa da nossa morte nos entristeça, fiquemos consolados com a esperança da imortalidade futura. Pois para vossos fiéis, Se­nhor, a vida muda-se, não se acaba, e desfeita esta morada terrena, adquire-se a habitação eterna nos céus. E por isso, com os Anjos e Arcanjos, com os Tronos e as Dominações, e com a Milícia celeste, can­tamos o hino da vossa glória, dizendo sem cessar: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos Exércitos. O céu e a terra estão cheios da vossa glória. Hosana no alto dos céus”.
Eis o belo Prefácio dos defuntos. Fala-nos da esperança da ressurreição futura. Estamos tristes neste mundo porque nossa condição de pobres mor­tais, sujeitos a deixar esta vida pela morte. Todavia, temos a promessa da imortalidade. Não morreremos de todo. A morte para o cristão é vida. Nas cata­cumbas escreviam nas lages sepulcrais às vezes uma palavra só: — Vixit! Viveu! É a idéia do Prefácio. A vida do cristão é a mesma. Aqui a vida na graça, e depois a vida na glória. Muda-se apenas a condição da mesma vida. Vita mutatur, non tollitur, diz o Pre­facio — a vida se muda, mas não se acaba.

Que lição confortadora!
Diz o Apóstolo que não temos neste mundo mo­rada permanente. Non habemus hic manentem civi­tatem. — Não pertencemos a este mundo. A Igreja nos chama viatores, caminhantes. Vamos para a casa de nossa eternidade. É o que nos recorda o Prefácio dos defuntos. Desfaz-se nossa morada terrena, pobre e miserável, e adquirimos uma eterna morada no céu!
A Liturgia dos mortos é pois uma continua lem­brança aos vivos da morte e do Juízo, um despertar da nossa fé na imortalidade da alma e na vida fu­tura, um brado para que estejamos vigilantes, por­que na hora que menos pensarmos, virá o Filho do Homem. É, principalmente, um incentivo para que não nos esqueçamos de nossos mortos queridos.
Procuremos assistir a Santa Missa dos defuntos com muita devoção e acompanhá-la no Missal ou no folheto litúrgico. Ela é verdadeiramente impressio­nante e nos leva a uma meditação muito séria da morte e do Juízo.
Ainda há pouco o Santo Padre Pio XII, na opor­tuna Encíclica Mediator Dei, condenava o erro dos que desejariam suprimir as Missas dos defuntos de nossa Liturgia e condenam o paramento de cor preta, sob pretextos sutis de que prejudicam o chamado Movimento restaurador da Liturgia. A Igreja, que vela pelo esplendor das solenidades litúrgicas, nem sempre permite a Missa dos defuntos em grandes festas, mas como é generosa e permite com frequên­cia estas Missas para ensinamento dos fiéis e alivio das pobres almas!

Exemplo
Santa Isabel, Rainha de Portugal, e sua filha Constância
A grande Santa da caridade tinha uma fulha que muito amava, chamada Constância. Esta princesa havia se casado há pouco tempo com o rei de Castela, quando uma morte repentina veio arrebatá-la à afei­ção dos seus. A rainha, ao ter a infausta notícia, juntamente com o rei se pôs a caminho de Santarém, quando um eremita se aproxima do cortejo real e quer falar à rainha. Os fidalgos disseram logo: é um importuno, um doido. Não lhe demos importância! Santa Isabel percebeu tudo e mandou chamar o pobre monge, perguntando-lhe o que desejava.
— Senhora, a vossa filha Constância me apare­ceu diversas vezes e foi condenada a um longo e rigo­roso purgatório, mas será libertada no prazo de um ano se celebrarem durante um ano todo, todos os dias, uma Santa Missa por ela.
Os do cortejo real puseram-se a rir do monge: é um doido, diziam. É um intrigante e quer arranjar alguma coisa, repetiam outros. A rainha, entretan­to, levou o caso muito a sério. Pediu ao esposo que mandasse celebrar as Santas Missas. Dizia: Afinal, o que se poderia sair perdendo com isto? Não é bom mandar celebrar Missas pelos nossos mortos? Quanto não há de lucrar com isto a nossa filha, ainda que não fosse real a aparição do pobre monge!
No dia seguinte encarregou a um sacerdote de celebrar durante o ano todo por alma da filha. Exa­tamente quando completou um ano, Constância apareceu à sua santa mãe vestida de branco, toda lumi­nosa e de uma beleza incomparável.
— Hoje, minha querida mãe, graças às vossas orações e às Santas Missas que mandastes celebrar, estou livre dos meus tormentos e subo para o céu.
A Santa, toda radiante de felicidade, foi pro­curar o Pe. Mendez, sacerdote encarregado da cele­bração das Santas Missas, e este já vinha ao encon­tro da rainha para lhe dizer que, na véspera, havia celebrado a última das 365 Missas encomendadas por alma de Constância.

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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão

Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre

24 de Novembro



LITURGIA DOS FUNERAIS
Ofícios fúnebres

Funerais vem da palavra “funus”, que por sua vez deriva de “funalia”, tocha, porque outrora se fa­ziam os enterros à noite, e eram acompanhados com tochas acesas ou archotes. O cristianismo purificou esta cerimônia pagã, santificando-a com as luzes em­pregadas nos ofícios fúnebres, mas as luzes agora simbolizavam, diz São João Crisóstomo, alegria e esperança na ressurreição da carne.
Nos primeiros dias do cristianismo, na época das perseguições, a cerimônia do sepultamento dos már­tires era festiva e tinha uma nota de alegria e de triunfo. Era a festa da entrada do céu e da glorifi­cação dos que sofreram e morreram por Cristo. “Os mártires, dizia São Cipriano, passavam da prisão pa­ra a imortalidade. De carcere ad immortalitatem transibant. Assim, o dia da morte era celebrado como dia de festa. Adornava-se festivamente o vestibulo da casa mortuária com guirlandas e coroas, escreve São Gregorio Nanzianzeno, e o interior era decorado com verduras, flores e tapeçarias e fachos de luz. Tal eram os funerais dos primeiros cristãos. Os de hoje são bem diferentes. Já não têm mais a nota festiva.
São tristes, são lúgubres. Por quê? Os mártires eram heróis que triunfavam e tinham garantida a salva­ção, eram santos.
Os primeiros cristãos eram de um fervor admi­rável. Morriam mártires da fé, ou deixavam esta vida após muita penitência e uma vida muito santa. Havia razão para que a morte deles fosse um triunfo, assim como hoje a Igreja celebra os funerais das criancinhas que morrem com a inocência batismal. Depois, infelizmente, se introduziram relaxamentos e fraquezas nos costumes, e a Igreja temia a sorte dos seus filhos mortos sem uma penitência suficiente, e sem aquele fervor e santidade dos seus filhos pri­meiros da era gloriosa e santa dos mártires. Eis por­que desde Orígenes, a quem Santo Agostinho atribui a ordem no Ofício dos mortos, se introduziu o espí­rito de satisfação à Divina Justiça pelos mortos, e esta pompa fúnebre que chora sobre os mortos implorando para eles a divina clemência[1].
O espírito festivo foi conservado apenas nos fu­nerais das crianças. Nos funerais dos adultos a Igre­ja quer nos lembrar o dogma do purgatório, quer implorar nossas súplicas pelos que padecem no lugar da expiação. Abreviar ou aliviar este sofrimento, eis o objeto dos ritos fúnebres e de todas as suas preces.
Os antigos, disse São Gregorio de Nisse, embalsamavam os corpos para os sepultar. O cristianismo faz coisa melhor: “embalsama a sua memória e os envolve no perfume das orações e das comemorações”[2].

A oração pelos mortos é muito antiga na Igreja.
São Cipriano de Jerusalém, Santo Agostinho e ain­da Tertuliano, asseguram que no seu tempo se faziam preces pelos mortos na convicção de que a oração dos vivos aliviava os mortos.
A Igreja, nossa Mãe, nos acompanha carinhosa e cheia de ternura até a sepultura, e nos segue além-túmulo com suas orações e com o sufrágio dos fu­nerais.

O sentido dos funerais
Três idéias principais claramente percebemos em todos os ofícios fúnebres da Liturgia da Igreja. A primeira, lembrar aos vivos as angústias e os tor­mentos nos quais a maior parte dos que faleceram expiam suas faltas no purgatório; segunda, excitar em favor dos mortos a compaixão e a caridade dos vivos; terceira, afirmar a idéia consoladora da ressur­reição da carne.
Tais são as idéias dominantes de todos os ofí­cios fúnebres.
Lembra as angústias e tormentos do purgatório quando implora, por exemplo, nesta prece: “Senhor, não entreis em juízo com o vosso servo sem que estejais disposto a conceder-lhe a remissão de todos os seus pecados, pois nenhum homem se encontrará jus­to diante de Vós. Nós Vos suplicamos, Senhor, que a sentença do vosso Juízo, não esmague aquele por quem pede esta oração feita com fé verdadeiramente cristã, mas que com o socorro da vossa graça ele, que durante a sua vida foi marcado com o sinal da San­tíssima Trindade, consiga evitar a sentença do vos­so Juízo”.
 Que oração impressionante e bela!
Depois, recorda o Juízo tremendo em que se mo­verão o céu e a terra. É o Libera me, Domine! Há na oração final uma expressão que nos mostra o sofri­mento do purgatório. Dá-nos a idéia de que o de­funto está como que sufocado e aflito, sem poder res­pirar o ar do céu, à espera da libertação: “Livrai, Se­nhor, a alma do vosso seno ou serva, de todo o vín­culo dos seus delitos, a fim de que na gloriosa res­surreição, tornando a viver na sua carne, possa res­pirar entre os vossos Santos e escolhidos”.
E muitas vezes repete a Igreja: Requiescat in pace! Descance em paz!
Senhor, não entreis em juízo com vosso servo! Que súplica esta impressionante e comovedora! Che­gando ao cemitério, prossegue o sacerdote: Senhor, nós vos suplicamos, dignai-vos usar misericórdia pa­ra com vosso servo defunto. Que ele não tenha de sofrer as penas dos seus pecados, pois ele desejou cumprir a vossa vontade, e que assim como neste mundo o uniu a sociedade dos fiéis, assim também, lá no céu a vossa misericórdia o associe aos coros dos Anjos.
Sempre a idéia caridosa de implorar misericór­dia pelos mortos que padecem no purgatório! O Ofí­cio dos defuntos é um gemido de dor sobre a miséria da pobre criatura humana, lembrando as lamenta­ções de Jó, tão impressionantes, naquele realismo que abala a nossa alma e parece um gemido saído dos abismos do purgatório. Que antífonas tocantes e pie­dosas! Aqui é um brado de misericórdia pelos que sofrem na expiação, ali um ato de fé na ressurreição da carne, acolá uma lembrança da miséria humana. Enfim, no Ofício dós mortos, nos funerais dos cris­tãos, filhos da Santa Igreja, encontraremos, como disse acima, as três notas impressionantes e de uma eloquência sem igual: a lembrança dos tormentos do purgatório, grito de súplica pelos fiéis defuntos que gemem na expiação, recordando o Juízo tremendo de Deus e a miséria do homem, e a esperança na ressur­reição da carne. Procuremos ler em vernáculo o Ri­tual dos defuntos. Meditemos aquelas orações e antí­fonas, enfim todas as impressionantes lições desta Liturgia.

As lições dos funerais
São muito belas e impressionantes as lições que nos dá a Igreja com os funerais de seus filhos. Já vimos como recorda o sofrimento do purgatório, a necessidade de orar pelos mortos e o dogma da res­surreição da carne. Há, porém, outras lições nestes funerais, que sempre assistimos talvez indiferentes porque não os meditamos, ou ignoramos. O cadáver é guardado com todo respeito e veneração. Não é o nosso corpo, como diz São Paulo, o templo do Espírito Santo? Não recebeu ele as unções do Batismo e água regeneradora? Não foi o Sacrário vivo da Santa Eu­caristia? Não foi o instrumento da Graça, santifica­do pelos Sacramentos?
A Igreja nos lembra o que é nosso corpo e quer que o respeitemos. Proíbe a incineração dos cadáveres e não admite que se profanem os corpos de seus fi­lhos. Leva este cadáver ao templo, cerca-o de luzes, incensa-o, trata-o como coisa sagrada. Depois o acom­panha ao túmulo com orações, benze a sepultura, di­zendo: “Ó Deus, de cuja misericórdia dá repouso às almas dos fiéis, dignai-vos benzer esta sepultura e enviar o vosso Anjo da guarda para a guardar. Dig­nai-vos livrar dos laços dos seus pecados as almas daqueles cujos corpos estão aqui sepultados, a fim de que gozem incessantemente e eternamente a felici­dade junto com vossos Santos”.
Que respeito pelo nosso corpo!
Respeitemos nosso corpo, que um dia há de ser objeto de tanta veneração nos funerais. Não profa­nemos pelo pecado, sobretudo pela impureza, este templo sagrado do Espírito Santo. O Apóstolo São Paulo recomenda tanto este respeito pelo nosso corpo!
Lembremo-nos do Juízo de Deus, tremendo e ri­goroso, como nos lembra a Igreja implorando miseri­córdia e gemendo por nós quando nossa pobre alma comparece diante do Tribunal Divino! Que contas daremos a Deus? Ouvi o Dies Irae, este hino que nos veio da Idade Média e nos recorda o tremer no Juízo de Deus e nossas responsabilidades! A Liturgia da Missa dos defuntos o trás sempre, para associar a idéia do sufrágio dos mortos a do Juízo, e assim ex­citar nossa compaixão pelos mortos e despertar nos­sa alma para uma vida melhor com a lembrança dos Novíssimos.
Estes pensamentos devem ser os nossos, quando acompanhamos nossos mortos à sepultura, quando assistimos aos ofícios fúnebres. É muito triste ver­mos a indiferença e a displicência com que se assistem aos funerais hoje! Quanta profanação! Conver­sas nos enterros, onde se discutem política e inte­resses de negócios, sorrisos e desrespeito. Preocupa­ção de pompas fúnebres e descuido da oração e das exéquias. Para que tantas flores e tantos túmulos pomposos? Ó, se aprendêssemos na escola admirável da Liturgia da Igreja estas sublimes e impressionan­tes lições!
Seria utilíssimo que nos retiros espirituais que fazemos, ao meditarmos na morte, recordássemos a Liturgia dos funerais. Como se presta à meditação e nos ensina tanta coisa para reforma de nossa vida! Todos os Novíssimos aí são lembrados: a Morte, o Juízo — tantas vezes com o “Libera me” e o “Dies Irae” — o Inferno e o Paraíso, para o qual nos manda — In paradiso deducant te angeli... Que lições!

Exemplo
Caridade recompensada
Deus nos concede muitas graças na sua miseri­córdia quando somos generosos para com Ele. Muito alcança em favor das pobres almas do purgatório quem oferece por elas sacrifícios e orações, porém, um ato heróico de virtude pode ser um alívio pode­roso no purgatório. Contam diversos autores fide­dignos e entre eles Santo Antonino de Florença, este exemplo edificante:
Uma senhora viúva tinha um filho único, estu­dante, e a quem amava ternamente e no qual depo­sitava todas as suas esperanças. Um dia, o moço, em companhia de outros colegas se divertia, quando um estranho se pôs entre os rapazes e começa a lhes per­turbar os folguedos com provocações e inconveniên­cias. O filho da viúva o repreendeu severamente. O homem, indignado, puxou de um punhal e o enterrou no coração do pobre moço, deixando-o estendido na rua, banhado em sangue. O assassino foge, assusta­do, e ainda com o punhal em sangue entra na pri­meira casa que encontra para fugir à perseguição da justiça. Qual não foi o seu espanto ao saber que en­trara justamente na casa da mãe de sua vítima!
A viúva piedosa e cheia de carinho, compadecida do assassino o refugia e esconde-o da policia que o procura. Vem a saber, dentro de poucos instantes, que protegia o assassino do seu próprio filho! Sentiu um movimento de dor e de revolta. Era boa cristã. Soube se conter heroicamente. Foi rezar. Ofereceu a Nosso Senhor o sacrifício enorme de perdoar ao criminoso e foi procurá-lo, dizendo-lhe: “Infeliz, ma­taste meu filho querido, único filho, todo meu cora­ção! Era a luz e a alegria de minha velhice, meu úni­co apoio. Poderia te entregar à justiça e me vingar. Não o farei. Prefiro a caridade do perdão pela alma de meu filho saudoso. Vou te ocultar e depois te facilitarei a fuga e te livrarei da justiça”.
O pobre assassino caiu de joelhos, banhado em lágrimas, e quis se entregar à polícia. A viúva não o permitiu. Fê-lo escapar da condenação. Era um ato heróico, admirável!
Alguns dias depois a pobre mãe rezava pela al­ma do filho saudoso, quando este lhe aparece todo belo e esplendoroso. “Minha mãe, minha mãe, diz a bela visão, eu deveria permanecer no purgatório mui­to tempo. Vosso ato de caridade para com meu as­sassino e vossas esmolas e orações me abreviaram a pena e subo já para o céu. Adeus, minha querida mãe! Até o céu!”.
Que consolação para a pobre viúva! Sentiu ela a doce recompensa do seu ato heróico.
Perdoemos nossos inimigos por amor e em su­frágio das almas do purgatório.

[1] Lerosey — Simbolisme de La Liturgie.
[2] De orat Domin. orat. I.
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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre

23 de Novembro: O mérito do sufrágio


AS ALMAS DO PURGATÓRIO NOS AJUDAM
O mérito do sufrágio

Que os sufrágios que prestamos às pobres almas sofredoras do purgatório seja uma obra muito meri­tória e receberá certamente grande recompensa de Deus, nenhum teólogo o contesta. É uma obra de ca­ridade, e Nosso Senhor, que promete recompensa até a um copo de água dado em seu nome, como não há de ser propício a quem socorre as mais miseráveis e infelizes e desprotegidas criaturas: as pobres almas, que nada podem fazer por si para se livrarem dos tormentos a que estão submetidas pela Divina Justiça e dependem da nossa caridade! É certo que as almas libertadas das chamas da expiação, no céu, interce­dem por seus benfeitores, porque estão cheias da Di­vina Caridade e podem, como os Santos, nos valer neste mundo. Portanto, o mérito que adquirimos com a caridade do sufrágio será bem recompensado por­que a ingratidão nunca entrou no céu e as santas almas salvas por nós serão nossas advogadas e tudo farão por nós junto de Deus.
São Francisco de Sales vê no socorro que pres­tamos às almas, todas as obras de caridade. “Não é visitar os enfermos, diz o Santo Doutor, obter por nossas orações o alívio das pobres almas que sofrem no purgatório? Não é dar de beber aos que têm sede tão grande da visão de Deus, dar o orvalho da nossa oração às que estão entre as chamas? Não é dar de comer aos que têm fome, ajudá-las pelos meios que a fé nos oferece? Não é verdadeiramente libertar os prisioneiros? Não é vestir os nus e lhes dar uma ves­te de luz e de glória? Não é dar hospitalidade, dar entrada na Celeste Jerusalém e fazer as almas ami­gas de Deus e dos Santos, fazendo-as moradoras eter­nas da Eterna Sião?” [1].
Ora, se Nosso Senhor declara que no dia de Juízo há de dar o céu e uma grande recompensa às obras de caridade, não há de recompensar generosamente estas obras de caridade para com as benditas almas?

Tem muito mérito o sufrágio, o socorro às ben­ditas almas.
Diz também o piedoso oratoriano Pe. Faber[2], como que comentando São Francisco de Sales: “A principal devoção da Igreja consiste nas obras de mi­sericórdia, e vede como elas se encontram todas reu­nidas na devoção para com os mortos! Ela sacia a fome das almas dando-lhes Jesus, o Pão dos Anjos. Para estancar a sede inextinguível que as devora, apresenta-lhes o Precioso Sangue de Jesus. Dá, aos que estavam nus, a veste da glória. Visita os doen­tes, consola-os e dá-lhes remédios. Livra os cativos de cadeias mais terríveis que a morte e os põe em liberdade celeste e eterna. Acolhe os peregrinos e lhes dá a hospitalidade do céu. Sepulta os mortos no seio de Jesus para que aí gozem o eterno descanso”.
Ó, quando vier o dia de Juízo, felizes os que ti­verem socorrido as pobres almas! Quanto mérito nes­ta obra de caridade — o sufrágio dos mortos!

Podem as almas interceder por nós?
Já não contestamos que possam as almas nos ajudar quando no céu, e que Deus pelos méritos do sufrágio e da grande obra de caridade que praticamos socorrendo o purgatório nos conceda muitas graças e tudo podemos alcançar só com o mérito de tão boa obra. Todavia, vamos mais além e podemos afirmar: as almas podem nos ajudar mesmo no purgatório. Alguns teólogos o negam. Todavia a quase maioria deles e muitos dos mais autorizados, afirmam que as almas mesmo no purgatório, no estado de sofrimen­to, podem interceder por nós. A Igreja, apesar do silêncio sobre a questão, permite no entanto a ora­ção dos fiéis às almas e deixa esta devoção se desen­volver cada vez mais. Grandes Santos e até Douto­res da Igreja tiveram esta devoção e a aconselharam muitos autores seguros. Nas catacumbas se encon­tram inscrições como estas: que tua alma repouse em paz! Reza por tua irmã. É uma oração pelo defunto e uma prece ao defunto.
Diz o grande teólogo Suarez[3] (3) que em geral as almas do purgatório podem orar pela Igreja militan­te, e isto é conforme a idéia que devemos ter da Bon­dade de Deus. As almas do purgatório são santas e devem rezar como os Santos rezam. E, como os Santos, são atendidas na medida da gloria que deram a Deus quando estavam neste mundo. O sofrimento em que elas estão, longe de diminuir, aumenta, o va­lor e a eficácia das suas orações. Dizia um piedoso autor: “aqui na família da terra, os pedidos e as sú­plicas de um membro doente e que padece mais, não são atendidas com mais carinho e simpatia? Não são as almas os membros doloridos da Igreja?”[4].
Dizem alguns que as almas do purgatório não podem nos valer porque não podem conhecer nossas necessidades. Ainda que assim fosse, responde Sua­rez, as almas pedindo pela Igreja militante nos fazem participantes da sua oração em nosso favor. E não poderiam ter conhecimento de nossas necessidades pelo ministério dos Anjos? Diz Santo Tomás: “As almas dos mortos podem se interessar pelos vivos ainda que ignorem o seu estado, assim como os vivos podem se interessar pelas almas ainda que as igno­rem. Podem as almas do purgatório conhecer as ne­cessidades dos vivos pelas almas que partem deste mundo, ou pelos Anjos”[5].
Portanto, não podem as almas se interessarem pela nossa sorte neste mundo e rezarem por nós? É sentença comum dos teólogos, diz São Roberto Belarmino que as almas podem rezar pelos vivos[6].
Dizem também que o sofrimento das pobres almas é tão intenso e profundo, que elas não podem pensar em nós e nem nos valer.
O sofrimento das santas almas não as torna egoístas e não, lhes tira o sentido, o conhecimento da extrema necessidade em que nos encontramos muitas vezes e dos perigos a que estamos expostos nes­ta vida. As almas do purgatório estão numa ordem sobrenatural superior. Podem, pois, interceder por nós. É doutrina de muitos Santos Doutores e teólo­gos seguros.

As almas do purgatório nos socorrem
As almas do purgatório podem nos ajudar e o mérito da caridade de nossos sufrágios tudo pode nos alcançar da Divina Misericórdia em nosso favor. Pois estas benditas almas nos ajudam realmente e a experiência tem provado há tantos séculos quanto é eficaz invocar a proteção do purgatório.
Sim, as almas do purgatório por si não podem merecer na outra vida, mas podem fazer valer em nos­so favor, os méritos que adquiriram neste mundo. Por isto Santo Afonso, São Roberto Belarmino, dou­tores da Igreja, ensinaram que podemos invocar a proteção das almas do purgatório para obterem de Deus favores de que necessitamos. Dizia Santa Tere­sa: “Tudo quanto peço a Deus pela intercessão das almas do purgatório me é concedido”. Demos sufrá­gios às almas e Deus por esta caridade nos ajudará pelas orações e os méritos destas santas almas libertadas das chamas expiadoras.
Santa Catarina de Bolonha escrevia: “Quando quero obter com segurança uma graça, recorro às al­mas padecentes e a graça que suplico sempre me é concedida”.
Daí as expressões do Santo Cura d’Ars, que sem­pre repito: “Se soubéssemos quão grande é o poder das santas almas do purgatório e quantas graças po­demos alcançar por sua intercessão, não seriam elas tão esquecidas”.
Vamos, pois, tenhamos caridade, tenhamos pie­dade das pobres almas sofredoras. Deus não permi­tirá que sofra muito no purgatório quem neste mun­do socorreu os mortos. Portanto, é de nosso interes­se, sufragar os mortos. A experiência o prova mil vezes quanto a devoção às almas é útil e vantajosa aos vivos. “O que nós lhes dermos em sufrágios, diz Santo Ambrósio, se muda em graças para nós, e os havemos de achar depois da morte”.
 Nas revelações de Santa Brígida[7] lê-se que a Santa viu um Anjo que descendo ao purgatório para consolar as almas dizia: Bendito seja aquele que ain­da na terra, enquanto vivo, ajuda as almas do pur­gatório com orações e boas obras!
E ao mesmo tempo, das profundezas do abismo das chamas do purgatório, se ouvia um coro de vozes suplicantes: Ó Jesus Cristo, justo Juiz, em nome de vossa misericórdia infinita, não olheis nossas faltas inumeráveis, mas aos méritos de vossa preciosa Paixão. Ponde, Senhor, no coração dos eclesiásticos um sentimento de verdadeira caridade, a fim de que por suas orações, suas mortificações e esmolas e as in­dulgências que nos aplicarem nos socorram em nes­sa triste situação.
Outras vozes respondiam: Graças, mil graças aos que nos aliviam em nossas desgraças. Ó Senhor, que o vosso poder infinito dê o cêntuplo aos nossos ben­feitores que os levam à morada da vossa eterna luz.
 As santas almas repetem sempre esta súplica em favor dos seus benfeitores.
Diz a Sagrada Escritura: Benefac justo et inve­nies retributionem magnam. Fazei o bem ao justo e tereis grande recompensa. As almas do purgatório são santas almas de justos, cheios de méritos e de virtudes. Quanta santidade naquelas chamas expiadoras! Pois bem. Tudo o que fizemos por elas terá grande recompensa. É a palavra de Deus que no-lo garante!

Exemplo
A criada devota das almas do purgatório
Diversos autores, entre eles Berlioux, no seu “Mês das Almas”, Mons. Louvet, no seu “Le Purgatoire”, narram este fato, que este último autor diz ter se dado em Paris e no ano de 1817.
Uma piedosa e humilde criada tinha o costume de todos os meses tirar do seu pobre ordenado uma espórtula para uma missa pelas almas do purgatório. Fazia todo sacrifício, mas não deixava de mandar celebrar cada mês a Missa da sua devoção. Ia assis­tir ao Santo Sacrifício com muito fervor e pedia pela alma que mais necessidade tivesse de uma Missa pa­ra entrar no céu.
Deus a provou com uma doença que a fez sofrer muito e ainda perder o emprego. No dia em que saiu do hospital, só tinha consigo a importância necessá­ria para a espórtula de uma Missa. Pôs toda con­fiança em Deus e andou à procura de um emprego. Em vão. Não o achava em parte alguma. Passou pela igreja de Santo Eustáquio e entrou. Lembrou- se logo de que naquele mês não pode mandar cele­brar a Santa Missa pelas almas. Tirou da bolsa o dinheiro e pensou consigo: Se agora mando celebrar a Missa, que mc restará hoje para comer? Que será de mim? Que importa! Deus há de ter pena de mim. E demais, as pobres almas sofrem mais do que eu.
Foi à sacristia e perguntou se era possível celebrar-se ainda uma Missa. Felizmente, lá eslava um sacerdote sem intenção de Missa para aquele dia. Deu-lhe a espórtula, pediu a Missa pelas almas, assis­tiu-a com todo fervor e se retirou da igreja absolu­tamente sem vintém e sem saber para onde ir.
Estava assim pensando na sua pobre vida quan­do um moço alto, muito pálido, se aproximou dela e disse:
—A senhora anda à procura de um emprego?
— Sim, meu senhor, e necessito muito uma co­locação hoje mesmo...
— Pois então vá à casa de Madame X, rua tal, número tal, e creio que ela vos receberá, porque vai precisar de uma empregada hoje.
A pobre criada tão satisfeita ficou, que nem agradeceu ao moço. Quando voltou para trás, nem o viu mais. Foi à procura do endereço e ao chegar à casa indicada deu de encontro com uma mulher que descia a escada furiosa e a gritar contra al­guém.
— É aqui que mora Madame X? Pergunta-lhe.
— Sei lá! Desta casa não quero ver nem a som­bra. Bata na porta. Não quero saber desta mulher. Adeus!”.
A criada bateu timidamente a campainha e es­perou. Apareceu-lhe uma senhora de certa idade e aspecto muito bondoso.
— Minha senhora, diz a criada, eu acabo de sa­ber esta manhã que a senhora estava precisando de uma empregada e, como estou sem colocação, aqui venho me apresentar, e me disseram que a senhora é muito bondosa e me havia de acolher muito bem...
— Minha filha, diz a velha, isto é extraordiná­rio! Pois esta manhã eu não disse isto a ninguém e faz apenas meia hora que eu expulsei de minha casa esta empregada insolente que me perdeu o respeito.
Só eu sei que tenho necessidade de uma empregada. Quem te disse isto?
— Encontrei um moço na rua e ele me deu o nome da senhora, rua e número da casa, e aqui cheguei.
A velha não podia compreender quem pudesse ser o tal moço que havia indicado a casa. Neste ínterim, a empregada levanta os olhos e vê na parede um retrato.
— É aquele moço, minha senhora, ele mesmo...
 A pobre velha empalideceu.
— É meu filho, e meu filho morto!
A criada contou-lhe toda a sua devoção às santas almas, a Missa que havia mandado celebrar. A ve­lha tomou a pobrezinha num longo abraço e banhada em lágrimas lhe disse: Minha filha, este moço é meu filho já morto. Deveria estar no purgatório. Faleceu há dois anos. Tua Santa Missa o aliviou e libertou. Vamos, daqui por diante, orar juntas e não serás mi­nha criada, não, serás minha filha”.
Tomou a pobre criada abandonada e adotou-a co­mo membro da família.
Eis como Nosso Senhor recompensa os corações generosos para com as santas almas.

[1] L’Esprit de Saint François de Salles — II p., cap.
[2] Faber — O Purgatório — 36.
[3] Lib. I — De orat. — Cap. II.
[4] Jugie — Le Purgatoire — Chap. IV — II part.
[5] Sum. Theol. I — quest. 89 — art. 8 ao 1.
[6] R. Belarm. — De Purgatorio — I, 2 e 15.
[7] Revel. — Liber IV, cap. VII.

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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre