1879 parte II
— Que
distância há entre a terra que habitamos e o purgatório?
Resposta: —
O purgatório está no centro do globo. A terra mesma não é um purgatório? Entre
as pessoas que nela moram, umas aí fazem o seu purgatório inteiramente pela
penitência voluntária ou aceita. Estas, depois da morte, vão diretamente para o
céu. Outras, começam o purgatório na terra, porque a terra é um lugar de
sofrimento, mas estas almas como não têm bastante generosidade, vão acabar o
seu purgatório da terra no purgatório real.
— As mortes
repentinas são uma justiça ou uma misericórdia de Deus?
Resposta: —
Estas espécies de mortes às vezes são justiça e outras misericórdia de Deus.
Quando uma alma tem o temor de Deus e Deus sabe que ela está preparada para
comparecer diante d’Ele, para lhe poupar os horrores da angústia que poderia
ter nos últimos momentos, Deus a retira deste mundo com uma morte repentina.
Às vezes
também Deus toma estas almas por justiça. Não ficam de todo perdidas, mas sem
os últimos sacramentos, ou recebendo-os às pressas, sem estarem preparadas para
a última viagem, seu purgatório é bem mais doloroso e se prolonga muito.
Outros
encheram a medida de seus crimes, abafaram a voz de todas as graças divinas e
Deus as tira da terra a fim de que não excitem mais a vingança divina.
— O fogo do
purgatório é um fogo como o da terra?
Resposta: —
Sim, com esta diferença: o fogo do purgatório é uma purificação da justiça
divina e o da terra é bem “doce” comparado com o do purgatório. É uma sombra
junto dos grandes braseiros da divina justiça.
– Como uma
alma pode se queimar?
Resposta: —
Por uma justa permissão de Deus. A alma foi verdadeira culpada, pois o corpo
nada mais fez que obedecê-la (que malícia, ter um corpo morto?); a alma sofre
como se ela tivesse corpo para sofrer.
— Dizei-me o
que se passa na agonia e depois? A alma encontra a luz nas trevas? Sob que
forma se pronuncia a sentença?
Resposta: —
Eu não tive agonia, como bem sabeis, mas eu posso vos dizer que no último
momento decisivo, o demônio emprega toda a sua raiva em torno dos agonizantes.
Deus, para dar mais mérito às almas, permite que elas sofram as últimas provas
nestes últimos combates, sobretudo as almas fortes e generosas, a fim de que
tenham um lugar mais belo no céu. Muitas vezes, no fim da vida, naqueles
transes da morte, naquelas lutas terríveis contra o anjo das trevas (fostes
testemunha disto…), saem elas vitoriosas. Deus não permite que uma alma que lhe
foi dedicada na vida, pereça nestes últimos momentos.
As pessoas
que amaram a Santíssima Virgem e a invocaram toda a vida, recebem dela muitas
graças nas últimas lutas. Acontece o mesmo para as que foram devotas de São
José e de São Miguel, ou de algum santo. Nesta hora, então, é que a gente é
muito feliz de ter um intercessor junto de Deus neste momento penoso! Há almas
que morrem tranquilas, sem nada experimentarem do que acabo de vos dizer. Deus
tem seus desígnios em tudo. Faz ou permite tudo para o bem particular de cada
um.
Como hei de
vos descrever o que se passa depois da agonia? Não é possível compreender o que
se passa então. Vou procurar explicar da melhor maneira que puder.
A alma, ao
deixar o corpo, se encontra toda tomada, toda investida, se assim posso me
exprimir, de Deus. Ela se encontra numa tal claridade, que num instante percebe
toda a sua vida e o que ela mereceu. É em meio desta visão clara que se
pronuncia sua sentença. Se é uma alma culpada, e por conseguinte merece o
purgatório como eu, ela fica de tal maneira esmagada sob o peso das suas faltas
que ficam para apagar, que ela por si mesma se atira no purgatório. A alma vê o
bom Deus, mas está aniquilada na sua presença. É só então que a gente compreende
o bom Deus, o seu grande amor pelas almas, e que desgraça é o pecado aos olhos
da Majestade Divina! Eu vi também meu Anjo da Guarda.
Para vos dar
a entender como é que São Miguel leva as almas ao purgatório, porque uma alma
não se leva, eu vos digo que é neste sentido que ele está presente na execução
da sentença.
Tudo quanto
se passa no outro mundo é um mistério para o vosso!
— E quando
uma alma vai direto para o céu?
Para esta
alma a união começada com Jesus na terra, continua no céu, na morte, eis o céu,
mas a união do céu é muito mais intima que a da terra.
Tendes muita
razão de não gostar dos êxtases. É preciso aceitá-los quando Deus os envia, mas
Ele não quer que a gente os deseje. Não são estas coisas que levam ao céu. Uma
vida mortificada, e humilde, é muito mais para se desejar e é muito mais
segura. É verdade que diversos santos tiveram revelações de Deus, que lhes dava
isto depois de longos combates, e de uma vida de renúncia, ou ainda porque
queria se servir deles para grandes coisas, tendo em vista a sua maior glória.
Todavia, tudo isto se fez sem ruído, sem brilho, no silêncio da oração e quando
eram descobertos, ficavam envergonhados e não falavam disto senão por
obediência. Pelo que me dizeis, podeis ficar tranquila.
Eis como se
pode conhecer quando uma graça vem de Deus.
Estas graças
vêm como uma onda que vos surpreende num belo dia, como urna chuva em pleno dia
claro, que se despeja sobre a alma, quando o céu parece mais sereno. Não se
deve temer então haver procurado isto, pois nem se pensou nisto às vezes.
Haveis de ter observado isto diversas vezes.
É muito
diferente isto das graças que julgam serem dadas por Jesus, e, pelo contrário,
não são mais do que trabalho da imaginação que as produziu. Estas devem ser
temidas porque o demônio se aproveita, de um cérebro fraco, de um temperamento
mole e de um juízo pouco equilibrado, e ilude estas pobres almas que entretanto
não pecam, contanto que se submetam às pessoas que as dirigem. E posso vos
dizer que há muitas destas neste mundo de hoje… O demônio procede assim para
lançar a religião ao ridículo.
Poucas
pessoas amam a Deus como Ele quer. Elas se procuram a si mesmas, julgando
procurar a Deus, e sonham com uma santidade que não é verdadeira.
—
Dizei-me então em que consiste a verdadeira santidade?
Resposta: —
Já o sabeis, mas já que desejais, vou repetir o que já foi dito diversas vezes.
A verdadeira
santidade consiste em se renunciar de amanhã à noite, viver de sacrifício.
Saber pôr de lado a toda hora o “eu” humano, deixar que Deus trabalhe como
queira em nós. Receber, com uma profunda humildade, as graças que Ele nos dá,
reconhecendo-se indigna delas. Estar quanto possível sempre na presença de
Deus. Fazer todas as ações sob o divino olhar e não procurar outra testemunha
para os próprios esforços. Ter a Deus como única recompensa, e todas as coisas
que eu já vos disse. Eis a santidade que Jesus exige e quer das almas que
querem viver só para Ele. O resto não é mais que ilusão.
Certas almas
fazem, pelo sofrimento, o seu purgatório na terra; outras por amor, porque o
amor tem também um martírio. A alma que procura amar verdadeiramente a Jesus,
acha que, apesar dos seus esforços, ela não o ama na medida dos seus desejos.
Isto é para a alma um martírio perpétuo, causado unicamente pelo amor, e não é
um martírio sem grandes dores! É como já vos disse, um pouco daquele estado da
alma do purgatório que impele incessantemente para Deus, seu único desejo, e se
vê repelida porque sua expiação não está acabada!
— Se eu não tivesse falado e ninguém tudo o que me dizeis desde que
estou vos ouvindo, qual seria o resultado? Sabeis que eu tenho um grande desejo
de guardar segredo, guardar isto tudo só comigo?
Resposta: —
Sois livre de o fazer ou não, mas se ainda não falastes disto, eu vos aconselho
a que o façais, porque Deus nunca permitiu que a perfeição de ninguém viesse
diretamente do céu. Ela habita na terra, e quer que na terra mesmo ela se
aperfeiçoe, segundo os conselhos que recebe para isto. Fizestes bem em confiar
o que vos custava tanto dizer. E demais, tudo isto não vem de vós, e Deus, que
de tudo sabe tirar proveito para a sua glória, dirige tudo para proveito
daqueles que Ele ama.
(Novembro-Dezembro) — O dia e a oitava dos Defuntos
trazem uma alegria no purgatório e se livram muitas almas?
Resposta: — No dia dos Mortos muitas almas deixam o lugar de expiação
para o céu, e por uma grande graça do Bom Deus, só neste dia todas as almas
sofredoras, sem exceção, têm parte nas orações públicas da Santa Igreja, até
mesmo as do grande purgatório. Entretanto, o
alívio de cada alma é proporcionado ao seu mérito. Umas recebem mais, outras
menos. Entretanto, todas aproveitam esta graça excepcional. Muitas almas,
pobres almas, só recebem este único alívio pela justiça de Deus, durante os
longos anos que passam no purgatório.
– Entretanto, não é no dia dos mortos que sobem mais almas ao céu. É
na noite de Natal?
Há muitas
coisas que eu vos poderia dizer, mas eu não tenho permissão.
É preciso
que me interrogueis, porque então eu posso responder. Eu estou bem aliviada
pelas orações do Reverendo Padre. Dizei-lhe que lhe agradeço pelas orações que
fez e que mandou fazer por minha intenção. Eu rezo sempre por ele. Espero fazer
mais ainda quando eu estiver no céu. Dizei-lhe também que eu sei que ele reza
por mim e pelas almas do purgatório.
Por
permissão de Deus há um sofrimento maior para as almas, quando as orações que
se fazem por elas não lhes podem ser aproveitadas.
No
purgatório não se recebem as orações da terra senão na medida em que Deus quer
que sejam aproveitadas às almas. Depende da disposição de Deus.
Quanto ao
tempo da nossa libertação, não sabemos nada. Se soubéssemos o fim dos nossos
sofrimentos, seria um alívio, uma alegria para nós, mas não! Vemos bem que
nossas dores diminuem quando a nossa união com Deus se torna mais íntima, mas
em que dia? (segundo a terra, porque não há dias), e em que dia estaremos todos
reunidos? Não o sabemos, é o segredo de Deus!…
As almas do
purgatório não têm conhecimento do futuro, a não ser que Deus lhes queira dar
isto. Algumas almas o possuem, umas mais, outras menos. Mas o que adianta saber
o futuro para nós, a menos que se trate da glória de Deus e do bem de algumas
almas?
Não se
admirem se o demônio e seus satélites têm algumas vezes conhecimento de coisas
que se realizam no futuro. O diabo é um espírito e, por conseguinte, tem mais
astúcias e conhecimentos do que qualquer pessoa na terra, à exceção dos santos,
aos quais Deus ilumina com suas luzes. Ele, o diabo, procura rondar por toda
parte, procurando o mal. Ele vê o que se passa, no mundo, e segundo a sua
sagacidade, pode prever coisas que se vão realizar. Eis a única explicação.
Desgraçados
são aqueles que se entregam ao demônio e o consultam! É um pecado que desagrada
a Deus, e muito! (Não está aí uma condenação do espiritismo, que muitas vezes é
uma consulta ao diabo? – Nota do tradutor).
— As
almas podem alguma vez se enganarem?
Resposta: —
Sim, mas não quanto às coisas que existem, só quanto ao futuro. Pode acontecer,
por exemplo, que Deus na sua Justiça queira castigar um reino, uma província,
uma pessoa, é uma intenção que Ele manifestou. Todavia, se alguma pessoa
daquele reino, daquela província pela oração ou por outros meios, desarma a
Divina Justiça, Deus dará a graça, concederá a graça ou diminuirá o castigo,
segundo as previsões da sua infinita sabedoria. Muitas vezes permite que os
grandes acontecimentos sejam preditos antes ou os dá a conhecer a algumas almas
a fim de que elas previnam e afastem o castigo. A misericórdia de Deus é tão
grande, que Ele não castiga senão em caso extremo. Assim para aquela pessoa de
que me falaste outro dia. Deus me fez conhecer que não lhe infligirá castigo,
senão pela metade, se ela permanecer nas mesmas disposições. Eis como a gente
pode às vezes parecer que se engana.
– Há
muitos protestantes salvos?
Resposta: —
Pela misericórdia de Deus, um certo número de protestantes se salva, mas o
purgatório deles é longo e rigoroso. Eles não abusaram da graça, é verdade,
como muitos católicos, mas não tiveram as graças insignes dos Sacramentos e
outros socorros da verdadeira religião, o que faz com que a sua expiação se
prolongue por muito tempo no purgatório.
Eu falo mais
baixo do que de costume, porque há oito dias vós falais muito baixo com Deus na
recitação dos Salmos. Quando rezardes mais alto, eu falarei também mais alto.
—
Conheceis no purgatório a perseguição que está sofrendo a Igreja?
Resposta: —
Sabemos que a Igreja está sendo perseguida e rezamos pelo seu triunfo, mas
quando será ele? Eu o ignoro. Talvez algumas almas o saibam. Eu não o sei ..
No
purgatório as almas não ficam só ocupadas com seus sofrimentos. Elas rezam
pelos grandes interesses de Deus, pelas pessoas para abreviar seus sofrimentos.
Louvam, agradecem a Nosso Senhor as misericórdias infinitas para com elas,
porque o limite do purgatório e do inferno para muitas almas foi bem extremo, e
por um pouco não se condenaram! Imaginai qual não há de ser o reconhecimento, a
gratidão destas almas que foram assim arrancadas de Satã!
Eu não vos
posso explicar como vemos nós a terra, de modo muito diferente do vosso modo de
ver. Isto só se pode entender quando a alma deixa o corpo. Então a terra que
ela acaba de deixar não lhe há de parecer mais do que um pontozinho no
horizonte sem fim da eternidade que se abre para ela.
Eu recebo
mais alívio de uma das ações de graças feita com uma grande união a Jesus, do
que de uma oração vocal. O que Deus mais ouve? Tudo o que é feito com espírito
interior. Quanto mais íntima é a união de uma alma com Deus, mais esta alma é
ouvida. Uma alma intimamente unida a Jesus, é dona do seu Coração Divino.
Deveis procurar sempre esta união que Jesus espera de há muito tempo de vós. Se
quereis agradá-lo, eis o único meio: aproximar-se sempre mais do seu Coração,
por uma grande atenção aos menores desejos da sua Vontade Santíssima. É preciso
que Ele vos vire e revire como bem queira, sem nunca encontrar resistência da
vossa parte. Então haveis de ver e compreender sua bondade!
Procurai
trabalhar atentamente só por Deus. Não procureis outro para testemunha de
vossas ações.
(8 de
dezembro — 2 horas da tarde — Imaculada Conceição) — Ai! quantas vidas parecem
cheias de boas obras e no entanto na hora da morte estarão vazias! Se soubésseis
quão poucas são as pessoas que agem só por Deus e que praticam seus atos só por
Deus! Na morte, então ai! quando a gente não está mais cego, quanto
arrependimento! Ai! se refletissem algumas vezes no que é a eternidade! Que é
esta vida comparada com este dia sem noite para os eleitos, e esta noite que
não há de ter fim dos condenados! Ama-se tanta coisa na terra, apegam-se a tudo
neste mundo exceto a aquele que unicamente deveria merecer nossa afeição e ao
qual recusamos nosso amor! Jesus nos tabernáculos espera os corações que o
amam, e não os encontra…
— No
purgatório se ama?
Resposta: —
Sim, mas é um amor de reparação, e se na terra nós tivéssemos amado a Deus como
deveríamos, não seríamos tão numerosas e não haveria tantas almas no lugar da
expiação!
— No
céu Jesus é bem amado?
Resposta: —
No céu se ama muito a Deus. Lá Deus é desagravado, mas não como na terra. Jesus
deseja o amor na terra, na terra onde veio para se aniquilar em cada
tabernáculo, a fim de que fosse mais fácil chegarem-se a Ele. E no entanto, não
fazem isto, não o procuram nem amam!…
Eu vos disse
que há almas que fazem o seu purgatório ao pé dos altares. Elas ficam ali pelas
faltas que cometeram nas igrejas. Estas faltas que foram diretamente a Jesus
presente nos tabernáculos, são punidas com muita severidade no purgatório. As
almas que ficam diante do tabernáculo em adoração, lá estão em recompensa da
devoção ao Santo Lugar. Elas sofrem menos do que se estivessem no purgatório
mesmo, e Jesus, que elas contemplam com os olhos da alma e da fé ao mesmo
tempo, lhes alivia com sua presença real o que elas padecem.