(Janeiro) — Noite de Natal — Milhares de almas deixam o lugar da
expiação para o céu. Muitas ficaram, e eu sou do número das que ficaram. Dizeis
que a perfeição de uma alma é bem longa. É verdade. Estais admirada de que não
obstante tantas orações eu ainda fique tanto tempo sem gozar da presença de
Deus. Ai! a perfeição de uma alma no purgatório não vai mais depressa do que na
terra.
Há algumas almas que só têm alguns pecados veniais a expiar. É um número
pequeno o delas. Estas não ficam muito tempo no purgatório.
Algumas orações bem feitas, alguns sacrifícios, as livram em pouco
tempo. Porém, quando são almas como eu, e é o caso de quase todas, que passaram
a vida quase nula e que se ocupam pouco ou quase nada da sua salvação, é
preciso neste caso recomeçar a vida no lugar da expiação, aperfeiçoar a alma de
novo, amar, desejar aquele que na terra não amamos bastante. Eis porque a
libertação destas almas muitas vezes se prolonga por muito tempo.
Deus ainda me concedeu uma grande graça: a de vir pedir orações. Eu não
a merecia e sem isto eu ficaria aqui anos e anos, como a maior parte.
– As religiosas e as outras da mesma Congregação, têm relações entre si?
Resposta: – No purgatório como no céu as religiosas da mesma família não
estão sempre juntas. As almas não merecem todas a mesma penitência nem a mesma
recompensa. Entretanto, elas se reconhecem no purgatório. Podem também com
permissão de Deus se comunicarem entre elas.
– Pode-se receber uma oração, um pensamento de um amigo defunto e lhe
dar a conhecer a saudade que se tem dele?
Resposta: – No purgatório como no céu, pode-se fazer chegar até aqui a
lembrança e as saudades da terra, mas como vos disse, não são úteis às almas do
purgatório, porque elas sabem e conhecem as pessoas que se interessam por elas
na terra. Deus permite algumas vezes que delas se possa receber algum conselho,
alguma advertência. Assim, o que eu vos disse diversas vezes a respeito de São
Miguel, foi da parte de Deus, e também o que vos disse do vosso Pai espiritual.
Todas as comissões que me destes, algumas vezes, para o outro mundo, eu as fiz
sempre, mas tudo isto está subordinado à vontade de Deus.
– As faltas são conhecidas no purgatório por todos como serão no dia do
juízo?
Resposta: – Nós não conhecemos no purgatório as faltas dos outros,
exceto quando Deus o permite para certas almas, mas segundo seus desígnios, e
isto para muito poucas almas…
– Tendes de Deus um conhecimento mais perfeito do que o nosso?
Resposta: — Ó, que pergunta! Sim, nós o conhecemos muito melhor, e o
amamos muito melhor, e também muito mais! Ai! E é isto o que causa nosso maior
tormento! Na terra não se sabe o que é o Bom Deus! Fazem dele uma ideia muito
estreita; mas nós, ao deixarmos nosso invólucro de carne, de barro, então, nada
entrava mais a liberdade de nossa alma. É então, e só então, que conhecemos a
Deus, sua bondade e suas misericórdias e seu amor! Depois desta visão tão
clara, esta necessidade tão grande de se unir a Deus, a alma tende a se voltar
para Ele, e é repelida porque não é bastante pura. Eis o sofrimento!… É o mais
duro e mais amargo dos sofrimentos. Ó se nos fosse permitido voltar à terra
depois que conhecemos assim ao bom Deus, que vida não haveríamos de levar! Mas…
inúteis arrependimentos!… E no entanto, na terra não se pensa nisto e se vive
na cegueira!. . . Não se dá importância para a eternidade! A terra é uma
passagem onde só se recebe um corpo que por sua vez há de voltar à terra. E só
pensam e desejam a terra e não pensam no céu! E Jesus e o amor de Jesus sempre
esquecidos!
— No purgatório as almas se consolam mutuamente no amor de Deus, ou cada
uma delas é completamente isolada em cada sofrimento?
Resposta: — No purgatório nossa única consolação, nossa única esperança
é só Deus. Na terra Deus permite que a gente seja consolada às vezes nas penas
do corpo e do espírito por um coração amigo. Se neste coração não encontra
ainda o amor de Jesus, as consolações são vãs e perdidas, mas aqui, as almas
estão abismadas em Deus na vontade divina, e só Deus pode aliviar a dor que
padecem… Todas as almas são torturadas, cada uma segundo a culpa que têm, mas
todas têm uma dor comum que ultrapassa as demais: a ausência de Jesus que é
nosso alimento, nossa vida, nosso tudo. E estamos separadas dele por nossa
culpa!
Depois de uma ação, não é preciso voltar atrás e andar perdendo tempo em
examinar se a fez bem ou mal. É certo que é preciso examinar as ações de cada
dia a fim de as fazer sempre melhor, mas que isto não seja à custa da
tranquilidade da alma. Deus ama muito as almas simples. É preciso ir a Ele com
grande simplicidade, boa vontade sempre pronta a se sacrificar por Ele, e lhe
dar prazer. Deveis proceder para com Jesus como uma criancinha com sua mãe,
confiando na bondade dele, entregando-lhe nas mãos divinas todos os vossos
interesses espirituais e corporais, e depois, procurá-lo sempre em tudo,
agradar em tudo sem vos preocupardes com outra coisa.
Deus não olha tanto as grandes ações, os atos heroicos, como uma ação
simples, um pequeno sacrifício, contanto que estas ações sejam feitas por amor.
Quantas vezes um pequeno sacrifício conhecido só de Deus e da alma que o
praticou, não se torna mais meritório que um outro muito maior que foi
aplaudido! É mister sermos bem interiores para não tomarmos para nós os elogios
que se nos fazem.
Deus procura almas vazias de si mesmas, para enchê-las de seu divino
amor. Encontra muito poucas. O amor de si não deixa lugar para Jesus. Não
deixeis passar nenhuma ocasião de vos mortificar, principalmente no interior.
Jesus tem muitas graças para vos conceder na quaresma, preparai-vos por grande
fervor e um grande amor. Amai a Jesus, principalmente. Ele é tão pouco amado
pelo mundo e é tão ultrajado!
A Santíssima Virgem vos ama muito. Da vossa parte amai-a também de todo
coração e procurai glorificá-la o mais que vos for possível.
Nunca chegareis a compreender bem a bondade de Deus. Se alguém
refletisse bem algumas vezes, seria suficiente para ficar santo; mas neste
mundo não se conhecem bem a misericórdia e a bondade do coração de Jesus! Cada
um as mede segundo o seu modo de ver, e esta maneira é defeituosa. Daí vem que
se reza tão mal!
Sim, poucas pessoas sabem rezar como Jesus o quisera. Falta-se à
confiança, e no entanto, Jesus só nos ouve depois do ardor dos nossos desejos e
na medida do nosso amor. Eis porque muitas vezes as graças que se pedem ficam
sem efeito.
É preciso ver tudo como provindo da bondade de Jesus: o que aflige como
o que consola. É o amor que tudo faz para nosso bem, o bem dos seus amigos,
Deus quer de nós principalmente amor e que luteis assim contra vós mesma,
contra vossas más inclinações, e procedeis com espírito de fé. Pois bem, a fé
cederá à realidade. É mister proceder como se Jesus estivesse sempre presente.
E que isto vos seja uma coisa natural, apesar de ser tão sobrenatural!
— As promessas feitas em favor daqueles que rezam o terço de São Miguel
são verdadeiras?
Resposta: — As promessas são reais, mas não se deve acreditar que as
pessoas que rezam o terço por rotina e sem procurar fazê-lo com perfeição,
sejam logo tiradas do purgatório. Seria, um erro. São Miguel faz muito mais
ainda do que promete, mas os que estão condenados a um longo purgatório, ele
não os retira assim tão depressa! É verdade que a lembrança da devoção ao Santo
Arcanjo alivia muito as almas, mas que sejam de todo libertadas do purgatório,
não. Eu que o diga, eu posso bem servir de exemplo!… A libertação imediata só a
terão as pessoas que trabalharam corajosamente para a sua perfeição, e que
tiveram pouca coisa a expiar no purgatório.
A França é bem culpada, e infelizmente ela não está só! Neste momento
não há um reino cristão que não procure aberta ou surdamente expulsar Deus do
seu seio. As sociedades secretas e o diabo fomentam estas revoltas. É agora a
hora do príncipe das trevas. Deus há de mostrar que só Ele é o Senhor único!
Talvez não seja feito isto com doçura, e fará sentir o seu poder, mas nos
próprios castigos Jesus é misericordioso. São Miguel há de intervir na luta
pessoal da igreja. Ele é o chefe desta Igreja tão perseguida, mas que não será
aniquilada como pensam os maus. Quando há de intervir São Miguel, eu não o sei.
É preciso rezar muito nesta intenção, invocar o Arcanjo lembrando-lhe os
títulos que tem, pedir-lhe a intercessão junto daquele sobre o qual tem tanto
poder!
Que não se esqueçam da Santíssima Virgem! A França é o seu reino
privilegiado. Ela o salvará. Fazem muito bem em pedir, por toda parte, rosários
e terços. E esta oração é a mais eficaz nas necessidades presentes!
No purgatório nós não recebemos as indulgências que nos são aplicadas,
senão à maneira de sufrágio e como Deus o permite, e segundo as suas divinas
disposições. É verdade que não temos apego ao pecado, mas não estamos sob o
reino da misericórdia, mas sob o império da justiça, e desta justiça recebemos
o que Deus quer que nos seja aplicado.
(Maio) — Trabalhai sem descanso e com todas as vossas forças para a
vossa perfeição. Tendes bastante firmeza de caráter para vencer todas as
dificuldades que se opõe à vossa união com Jesus, até que chegueis lá onde Ele
quer.
Vossa vida será um martírio perpétuo. Custa muito renunciar–se a cada
instante. É um martírio contínuo, mas neste martírio se experimentam as mais
doces alegrias. A alma sofre, mas aquele por quem ela sofre lhe concede a cada
sacrifício, a cada renúncia, uma graça que a anima e encoraja a caminhar sempre
avante, e a se entregar sempre mais. Nada agrada tanto a Nosso Senhor como ver
uma alma que se esforça, não obstante todos os obstáculos que se encontram no
caminho, para poder se entregar cada vez mais para a glória e pelo amor de
Deus.
Estais aflita por ver que Deus é insultado em Paris, mas estas pessoas
não sabem o que fazem, e Jesus se sente mais insultado e ofendido com os
pecados que cometem as almas que lhe são consagradas e não são o que deveriam
ser, do que com as injúrias daqueles que não são seus amigos.
Jesus quisera o amásseis com um amor de criança, isto é, com a ternura
de uma criança que só quer agradar aos seus paizinhos queridos, e, no entanto,
sois tão fria para com Jesus! Não é isto que Ele espera de vós, a quem tanto
ama!
Não dirigis vossa pureza de intenção como Deus o quer. Assim, ao invés
de oferecer de um modo vago as intenções, podeis fazer com mais fruto tendo as
intenções bem determinadas. Por exemplo: quando tomais a refeição dizei: “Meu
Jesus, alimentai a minha alma com a vossa Santa graça, assim como eu alimento
agora meu corpo”.
Quando lavais vosso rosto ou vossas mãos: “Meu Jesus purificai a minha
alma como eu o faço com meu corpo”. E assim em cada uma das ações. Habituai–vos
a falar sempre a Jesus com o coração. Que Ele seja tudo no que fazeis ou
dizeis.
É preciso nunca se desculpar. Que vos adianta que vos julguem culpada,
quando não o sois? E se reconheceis uma falta, humilhai-vos e… silêncio! Não
vos desculpeis nem em pensamento.
Só as ações feitas com grande amor, sob o olhar de Deus, para cumprir a
sua santa vontade, só elas terão a recompensa imediata, ao passar pelo
purgatório. Que cegueira há no mundo a este respeito!
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